As eleições de 1945 estavam mais que garantidas. Getúlio deposto, o Brigadeiro Eduardo Gomes sobrava na turma. Mesmo Eurico Gaspar Dutra tendo votado para sua deposição, Getúlio Vargas decidiu apoiá-lo. O Brigadeiro era pule de 10. Até que num escorregão, e provocado, disse a frase: “malta de desocupados que andam por aí”. Hugo Borghi, uma espécie de marqueteiro político da época e dono de 150 emissoras de rádio, correu ao dicionário para saber o que era malta. E descobriu. “Malta, turma de trabalhadores que comem em marmita”. A partir daí as marmitas passaram a frequentar comícios como instrumento de percussão e o Brigadeiro foi rotulado de inimigo número 1 dos marmiteiros. Dos trabalhadores. Em semanas perdeu a eleição. Dia 2 de dezembro de 1945, Dutra 3,251 milhões de votos, Brigadeiro 2,039 milhões... Agora, quase todos nós, fazemos parte da tal da malta...
Quando eu cheguei a São Paulo, sozinho, 13 anos de idade, fevereiro de 1956, vindo de Bauru, pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, desembarcando na Estação da Luz, fui morar durante meses, e enquanto aguardava pela chegada do restante da família, na Pensão da Tia Maria. Mais que querida tia, guerreira de muitos filhos e afazeres, que me acolheu na chegada. A pensão da Tia Maria, na Avenida Angélica, onde dormia-se ao som dos bondes 14, 35 e 36; e 3 meses depois fui morar com meus pais e irmãos, na Rua São Vicente de Paula.
Mesmo assim, durante meses, e enquanto Julieta, minha adorada mãe, ia se organizando, a família comia de marmita. Marmita que a adorada Tia Maria preparava todos os dias, e eu ia buscar no almoço e no jantar. Agora, mais de 60 anos depois, as marmitas voltaram. Com novas denominações, claro, mas como produto compulsório que se impôs e valorizou, em decorrência da pandemia. Hoje, e também, e mais conhecidas como quentinhas. E os grandes restaurantes, na falta de outra alternativa, aderiram às quentinhas, atendendo pedidos com seus motoboys próprios ou os dos aplicativos. Alguns restaurantes decidiram dar um passo adiante, e oferecer seus best-sellers não mais “quentinhos”, mas, sim, “congeladinhos”. E como via de regra tem em seu comando pessoas de extremo bom gosto, e conscientes do quanto custou construírem suas marcas, esmeram-se nos caprichos. O exemplo, o de Carla Pernambuco, jornalista que virou chef consagrada, e agora passa a oferecer, a sua grande clientela, os principais pratos de seu consagrado cardápio devidamente congelados para serem estocados e servidos de acordo com a conveniência de seus clientes.
Tudo no maior capricho. Embalagens encomendadas a designer que tem consciência e senioridade das diferentes missões das embalagens, claro, além de terem de encantar num primeiro bater de olhos. E, como é de sua personalidade, característica e competência, Carla criou toda uma narrativa. Tipo, conforme declarou à coluna Direto da Fonte, do Estadão, “Entregamos minhas receitas congeladas até o Polo Norte”, ou, “Agora também estou no negócio de Comfort Foods”.
As velhas e queridas quentinhas ou marmitas agora na versão ou releitura Comfort Foods... E o positioning statement da Carla Comfort Foods é: “Quebre o gelo, alimente seu urso interior...” A pandemia está se despedindo, mas, algumas de suas marcas e decorrências, permanecem. Fornecer marmita, a partir de agora, também faz parte das competências de muitos dos consagrados restaurantes. Quem diria. Mas jamais, nem o mais fantástico dos restaurantes, chegará aos pés da marmita da pensão da saudosa e querida tia Maria. Agora fazemos parte da malta. Dia após dia, todos, marmitando...
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
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