Gosto quando surgem desafios de segmentos que até então estavam subjugados a commodities, como café, açúcar e cacau. O Brasil é altamente dependente da exportação de commodities, mas pouco se pensa no papel do branding em torno desse tipo de mercadoria. Por serem produtos de caráter básico, o trabalho de construção de marca em torno de uma commodity pode ser uma tarefa difícil, e sua oferta está diretamente ligada ao mercado internacional. Isso não significa, no entanto, que seja impossível trabalhar uma marca que envolva um produto que seja, em sua essência, uma commodity. Afinal, o branding nada mais é que a construção de valor, alinhamento de marca, negócio e comunicação, e pode ser usado para aproveitar ao máximo o potencial do produto, seja ele petróleo ou até ovos. Commodity é “um bem ou serviço cuja ampla disponibilidade geralmente leva a margens de lucro menores e diminui a importância de fatores além do preço, como o nome da marca”. Por definição, commodities carecem de diferenciação e habilidade para cobrar um preço premium como marcas fortes, mas um bom trabalho de branding pode impulsionar as vendas de mercadorias que tradicionalmente são percebidas como commodities.
Para diferenciar commodities, é essencial ter um propósito forte e claro, uma ideia que os consumidores apoiem e vejam valor real. As marcas devem incorporar esse propósito em todos os pontos de contato da jornada do cliente e promover inovações no produto e na embalagem. Segundo uma pesquisa da Accenture Strategy, 64% dos consumidores globais consideram mais atraentes as marcas que comunicam ativamente seu propósito, e 52% tendem a apoiar marcas que se alinham com seus valores pessoais. O preço das commodities geralmente é determinado pelo mercado global, o que pode limitar as margens de lucro para os produtores. No entanto, criar uma marca em torno de uma commodity pode reverter esse cenário, e gerar valor a partir desse tipo de produto é uma questão de percepção e experiência. Ao aplicar estratégias de branding focadas na diferenciação, narrativa, sustentabilidade, inovação e experiência do cliente, é plenamente possível transformar produtos básicos em itens desejados e valorizados pelo consumidor.
A narrativa é um recurso fundamental para começar a trabalhar a marca. Identificar e promover a origem do produto pode agregar um valor significativo e passar uma imagem de credibilidade ao insumo. O café da Colômbia e o chocolate belga são associados à alta qualidade devido às condições climáticas e tradições de produção específicas desses locais. Além da origem do produto, uma experiência de compra diferenciada agrega valor à marca. A Nespresso e a Starbucks são cases de sucesso que trabalharam o ambiente e o universo visual para se consolidarem como marcas que oferecem produtos que vão além de um simples cafezinho. Por meio de suas lojas e do atendimento personalizado - como o copo com seu nome -, a Starbucks virou sinônimo de um estilo de café, e sua logomarca é reconhecida mundialmente. Outro exemplo de branding notório é o sal do Himalaia, que utiliza a narrativa das montanhas antigas e a pureza natural para justificar um preço premium, implicando uma qualidade “orgânica” ao tempero. Desta maneira, por meio da construção de uma história em torno do produto, a marca pode engajar emocionalmente os consumidores. É importante levar em consideração que clientes modernos são atraídos por marcas que demonstram preocupação social e responsabilidade ambiental. Investir em processos de produção responsáveis, políticas sustentáveis e comunicar esses esforços efetivamente cria uma conexão positiva com o público, e certamente é um recurso valioso também para um produto de caráter agrícola.
O design e a narrativa, evidentemente, fazem a diferença. Sempre prezei pelo desenvolvimento dos universos visual e verbal da marca, e a importância de diferenciação é ainda maior em produtos de caráter básico. Até uma marca de água pode se tornar atrativa caso o branding do produto indique um diferencial. Marcas consagradas como Fiji, Perrier e Voss trabalharam o design de seus produtos com excelência e transformaram uma simples garrafa de água em artigos de luxo. Não é fácil transformar commodities em marcas de sucesso. No entanto, o número de empresas que tiveram sucesso na construção de suas marcas e produtos em torno de mercadorias básicas é evidente. O poder do branding exerce sua força e mostra que o público está aberto a se identificar com qualquer tipo de produto.
Ana Couto é CEO da agência anacouto e da plataforma de conteúdo e aprendizagem LAJE