Durante décadas as empresas de alimentos e bebidas, de rotina, recorriam aos chamados BT – Blinded Tests – e se davam por felizes.
Por uma burrice infinita ou extrema ingenuidade acreditavam que as pessoas, com vendas nos olhos, e apartadas dos demais valores dos produtos: embalagem, marca, cor, textura, contexto, e tudo o mais, apenas experimentando, seriam capazes de sentenciar os de maior potencial para o sucesso, as supostas Melhores Marcas em cada categoria.
Até hoje muitas empresas, com ênfase às de produtos de consumo, seguem recorrendo aos chamados Blind Test, Testes Cegos, na avaliação de seus produtos.
Muito especialmente, no produto em si, no ketchup, maionese, vinho, refrigerante, suco, chocolate, iogurte... repito, o produto em si. Claro, tão ou mais importante, na sequência são todos os demais serviços inerentes ao produto: desde sua distribuição, passando pela embalagem, rótulo, marca, cor, textura, brilho, viscosidade, “playability” e tudo o mais.
Enfim, o serviço essencial que o produto presta. Aparência, cor, atratividade, sabor, gosto, decorrências + circunstâncias nos momentos de compra, uso e consumo.
Isso posto, algumas empresas vêm adotando uma espécie de Blind Test no recrutamento de novos profissionais, executivos, empregados.
Essa é uma das matérias principais da revista Você RH, bimestre jun/jul, assinada pelas jornalistas Marcia Kedouk e Letícia Furlan. E os resultados são, para dizer o mínimo, surpreendentes.
Uma das empresas que passaram a adotar essa prática é o hospital Sírio Libanês.
No Sírio, toda a primeira etapa do processo acontece às cegas. Os candidatos permanecem ocultos até as últimas etapas do processo. Os recrutadores até essas derradeiras etapas desconhecem o nome, gênero, idade, foto. Apenas uma imagem aparece na tela e a voz do candidato é distorcida. Os que passam por todas essas etapas, e só na etapa final, são revelados.
Pida Lamin, diretora de pessoas e cultura do Sírio, revela os resultados. De agosto de 2022 a março de 2023, mais de 90 pessoas participaram desse tipo de seleção. E dentre os contratados, 90% mulheres, 51% pessoas negras, 30% LGBTQIA, 10% mais de 50 anos...
Fantástico. Um grande passo e evolução.
Mas ainda não dando nenhum tipo de garantia de como será a convivência dos novos contratados com a equipe que já existe na empresa, com todos os ranços culturais e preconceitos presentes.
Esse, o próximo desafio. De que adiantará recrutarmos e selecionar sem qualquer tipo de discriminação e preconceito se, e depois, no dia a dia, a cultura é tóxica, deletéria, inóspita?
De qualquer maneira, uma iniciativa espetacular.
Como se diz com frequência, toda a nova jornada começa com um primeiro passo. E, sem a menor dúvida, o Sírio Libanês acaba de dar e inspirar outras empresas, a dar um primeiro e grande passo.
As cargas de preconceito das etapas seguintes terão de ser superadas e removidas com a mesma sensibilidade e inteligência, mas, e ao menos, hoje sabe-se existir a melhor maneira de abrirmos, com total isenção, a primeira das portas.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
fmadia@madiamm.com.br