O Cannes Lions 2024 mandou uma mensagem clara sobre o que está acontecendo hoje na comunicação no mundo e quais os caminhos que são tendência. E poucas vezes este recado foi tão claro: ideias simples, humor. É isso, simples assim. Não que essas duas palavrinhas estivessem fora do repertório da propaganda, pelo menos da propaganda de verdade, nas ruas, nas telas, nos comentários das festinhas e grupos de WhatsApp. Eu mesmo bato nessa tecla há quase 20 anos, com nossa Simplicidade Criativa na 11:21. Mas elas andavam escanteadas em muitas rodas mais seletas de discussão e principalmente das inscrições e das shortlists dos festivais.

E é importante dizer que esta virada de chave não muda em nada a importância do propósito, por exemplo, presente em tantas campanhas de marcas por aí. Mas seja uma campanha de promoção, varejo, lançamento de um produto ou uma mensagem em defesa de uma causa nobre. A pergunta que se faz é por que estas campanhas não podem ser simples e engraçadas, criativas, ousadas, diferentes.

Veja a campanha ‘Doordash all the Ads’, da Wieden + Kennedy Portland para a Doordash, que ganhou o Grand Prix de Titanium. Uma campanha promocional, veiculada no maior evento de mídia dos Estados Unidos, talvez do mundo, que é o Super Bowl. Uma ideia simples, engraçada, dificílima de viabilizar e de botar de pé (acontece também com ideias simples), mas que conquistou o público, saiu da paisagem e mereceu o prêmio máximo no Palais.

Nem sempre a ideia simples tem uma execução fácil, né. Esse é um caso. Outra campanha supersimples, sensacional, que mereceu GP, foi ‘Meet Maria Prieto’, da JCDecaux, para mostrar a efetividade da mídia no metrô de Madrid. Um objetivo claro de crescimento de vendas, conseguido, através de uma ideia muito simples, transformar uma senhora de 100 anos em uma pessoa famosa replicando os posts dela nas redes sociais em painéis no Metrô. Uma ideia que usa o famoso “calhau” da mídia, mais simples impossível. Mas engraçado, inédito, curioso. O tipo da ideia que você fotografa e manda em um grupo de zap perguntando “WTF?” “Ah, mas tem categoria que não dá pra ser assim”. Tem não.

E o que dizer, então, da campanha de Dramamine ‘The last barf bag’ ou ‘O último saquinho de vômito’? Se dá pra fazer na categoria Health Lion, dá pra fazer em todas, né. Quer mais exemplos? ‘Michael Cerave’, mais uma que saiu do Super Bowl direto para o palco de Cannes. ‘The misheard version’, para Spac Savers, que colocou Rick Astley para cantar errado seu próprio hit, engraçadíssima. Donkin Donuts, para o Super Bowl; o filme doido da Choojai And Friends, de Bangkok, ‘Sammakorn not Sanpakorn’; Ikea, com ‘Life is not an Ikea Catalog’, da agência Try, de Oslo (Falando nisso, esse filme superengraçado do turismo de Oslo já é candidatíssimo no ano que vem e também é mais uma prova que dá para ser engraçado e simples para qualquer categoria).

Deixei por último um exemplo que envolve uma grande marca, uma das maiores, uma ideia que estava ali na cara de todo mundo, mas que este ano se tornou uma campanha que varreu o festival de prêmios: ‘Tranks for Coke-creating’. Engraçada, simples, mostra a força da marca em todo o mundo de um jeito ao mesmo tempo muito próximo ao consumidor, enfim, uma campanha de Coca-Cola digna da liderança mundial da marca. Daquelas que dão inveja, inveja ruim mesmo, hahahaha.

Eu pretendia aqui mencionar várias falas em palestras sobre o tema, como o discurso do mestre Séguéla, empolgante e sábio, sobre o nosso negócio ser sobre a ideia criativa, ou do comediante Kenan Thompson, que em sua palestra ‘Ready to laugh again: the return of comedy’, mandou na lata: “Humor cuts through the noise”, algo como “o humor corta o barulho”. Também pretendia falar mais dos números, como os apresentados no Report do festival, mostrando que 80% das pessoas tendem a comprar de uma marca que usa humor na comunicação e 72% tendem a escolher essa marca em vez do concorrente (que não usa humor).

Mas me empolguei falando dos muitos exemplos de campanhas simples e engraçadas que saíram vencedoras (tinha muito mais exemplos) e também não deu para falar do quanto a verdade das marcas é importante neste novo momento. Elas aprenderam a rir de si mesmas e colocar o consumidor para rir junto, sem que isso desvalorize a marca, muito ao contrário, cria, isso sim, uma empatia maior com as pessoas. Que venha por aí um longo período de muita simplicidade criativa, já tão valorizada no editorial da semana passada do Armando Ferrentini que aspirou este artigo (junto com a nossa filosofia, claro).

Gustavo Bastos é fundador da 11:21 (gustavobastos@onzevinteum.com.br)