Amor é uma palavra forte. De tanto não ser usada já se torna uma novidade em nossa época. No movimento pendular da história ainda vai voltar a virar tendência, você vai ver. Amor junto da palavra trabalho e ética, então, nos leva para o século passado. Ou talvez para o futuro. Você ama o que faz? De verdade? Ou vai existindo e sobrevivendo?
Reflexões que tive quando acabei de ver uma cena e de rever uma outra. Revi esse trecho de ‘Mad men: the carousel Kodak wheel slide projector ad pitch’. Anos 1960 e executivos da Kodak promoviam uma concorrência e queriam ouvir como a Sterling Cooper e Don Draper viam a sua incrível inovação, o projetor de slides.
A cena superbem escrita e emocionante mostra os executivos entrando na sala. São recebidos pelo staff da agência. Os Kodakers (kkk) chamam a invenção de “a roda” devido ao dispositivo ser redondo, provavelmente. Se ainda não conhece um projetor de slides, a tecnologia de projeção injetava uma luz forte em fotogramas colocados numa moldura de papelão e a imagem minúscula ganhava tamanho de 100 polegadas em qualquer parede branca. Inovação simples para os engenheiros. Emoção pura para Don Draper. Publicidade é saber ver além da tecnologia.
Draper coloca uma perspectiva diferente como todo ótimo publicitário faria e sugere duas outras palavras gregas para substituir tecnologia: “novo” e “nostalgia”.
A segunda, ele diz, forma um vínculo mais profundo com a audiência. Ele afirma aos engenheiros que nostalgia é uma palavra mais delicada que “novo”, porém mais potente, pois sugere um vínculo entre produto e a vida das pessoas, o que um ótimo publicitário faria também. E então inicia um discurso filosófico que conecta com qualquer ser humano, com ele próprio e com a publicidade em si. “Nostalgia em grego quer dizer a dor de uma velha ferida...”
Draper faz a reunião utilizando a própria invenção do cliente, o projetor de slides, o que um ótimo publicitário faria com essa oportunidade, simular o seu uso. Ele usa fotos de sua família que na vida do personagem está se desfazendo, enquanto diverge sobre como deveria ser o posicionamento e o nome do produto que ele muda também, o que um ótimo publicitário que realmente ama a profissão faria.
Em vez de “roda”, ele sugere carrossel. O texto dele argumentando que a alma humana deveria ser a primeira aula do curso de publicidade das universidades. Para o publicitário, o carrossel gira, é uma roda, mas com propósito e poesia. Vale a pena rever a cena.
Mas o ponto não é esse. É que quem escreveu
essa cena, alguém que mostrou de fato ser do primeiro time de roteiristas de cinema americano, conseguiu se colocar no lugar de um publicitário e de sua cabeça caótica e vida idem, para escrever algo lindo sobre a
profissão. Esse roteirista amou mais a publicidade, quando escreveu a cena, do que muita gente que trabalha com comunicação e deve seu sustento a essa indústria já o fez antes.
Durante minha carreira, se tornou comum entrar em reuniões e ver gente que vive de criar publicidade expressando o desprezo por ela. Considerá-la uma arte inferior. Ou submissa à tecnicidade, sem alma. Quase como se desculpando por estar ali vivendo “daquilo”. Os motivos devem ser muitos para fazer isso. Talvez para querer completar a parte que falta. Triste. Sem amor, nada roda, nem o carrossel.
Você ama o que faz?
Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br