Nos últimos anos, sob a gestão do governo de Bolsonaro, nós, profissionais do audiovisual, fomos desaparelhados. As estruturas de incentivo à cultura foram paralisadas, editais foram abandonados, recursos foram cortados. O próprio Ministério da Cultura foi extinto. Recentemente, vi que dados do Portal da Transparência, divulgados pela Revista Piauí, mostram que em 2018, o governo Temer gastou R$245 milhões para fomentar projetos culturais. Em 2022, o governo Bolsonaro gastou R$89 milhões, 63% a menos. Além disso, desde 2018, o governo diminuiu quase um terço dos gastos com a Ancine. Com a mudança de governo, temos o início de uma retomada, mas, para mim, o resultado desse desmonte ainda será sentido pelo público nos próximos anos.

Quem é do mercado deverá sentir o destravamento antes. Na Café Royal, já estamos começando a receber recursos para produzir. Processos que estavam parados há anos na Ancine, em janeiro já começaram a andar. O governo mal tinha começado e a máquina já voltou a funcionar em outro ritmo.

O papel das Organizações nesse processo de retomada
Como produtor executivo, faço parte da Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais (APRO) e do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP), instituições importantes e que ocupam lugares diferentes. Dentro da APRO, nós procuramos ajudar a formular protocolos e padrões de trabalho para manter o mercado minimamente padronizado, viabilizando uma concorrência mais “saudável” entre as produtoras. A APRO não tem um poder mandatório, mas tem o papel muito importante de ser qualificatória e traz para o mercado a garantia de que as produtoras filiadas à APRO tenham um padrão de qualidade, segurança, idoneidade e compliance para os clientes contratantes.

Já o SIAESP tem um envolvimento maior no que se refere às políticas públicas. É um lugar onde há uma atuação política mais ativa relacionada à Ancine, aos comitês de Brasília e ao plano de audiovisual do setor. SIAESP e APRO trabalham juntas, somam força, são complementares, só que cada uma dessas entidades colabora de uma maneira diferente para o mercado.

Acredito que, nesse novo cenário, o fluxo entre essas instituições, Ancine e governo deva ser aprimorado. Lei do Audiovisual, Lei Rouanet, Fundo Setorial, Ancine, nós já temos os mecanismos vigentes que são fundamentais para o desenvolvimento do setor. O que precisamos, nesse momento, é ter o regramento, a flexibilização, otimizar o funcionamento. Azeitar a máquina. A gente não precisa inventar a roda. Ela já está aí, só precisamos fazê-la girar.

Eu gostaria muito que o foco desse novo Ministério seja o de trazer para as telas um Brasil mais plural, inclusivo, um Brasil que ainda não vi.

Publicidade e Entretenimento - desafios do mercado audiovisual
Além dos imprevistos políticos, acredito que as produtoras enfrentem outras mudanças no mercado audiovisual.

Na área de publicidade, temos uma constante redução de verbas de investimento dos clientes e agências. Com isso, tivemos que reinventar a forma de produzir, porque o mercado e as margens ficaram muito reduzidas. Esse setor está se reinventando, com novos papéis e novos lugares. Produtoras estão criando junto com clientes, indo para dentro de agências, e mudando os formatos de trabalho.

Nos últimos anos, percebo um redesenho do negócio da publicidade, com uma participação muito mais efetiva dos clientes na execução e, dentro desse cenário, nós, que fazemos parte do movimento, estamos trocando o pneu do carro com o carro andando. Acho que daqui a uns cinco anos vamos entender melhor como esse mercado se redesenhou, o formato dos negócios, e onde estaremos.

A tônica principal dessa nova configuração é o trabalho colaborativo. Antes os papéis eram muito bem definidos, hoje eles estão se misturando. Sinto que os players do mercado publicitário estão muito abertos a novos desenhos de negócios.

Percebo que nos últimos anos o entretenimento também vem passando por algumas mudanças. A chegada dos streamings foi algo estrondoso, que oxigenou o mercado. Temos, também, a Ancine voltando a ativa, com aumento dos projetos incentivados. O que precisamos agora é equilibrar a balança.

Por fim, acho importante mencionar a importância de novas políticas públicas dedicadas ao sistema de VoD no Brasil. Recentemente, a Ancine divulgou um relatório mencionando que o Brasil é o país com maior número de plataformas VoD entre os 20 países latino-americanos e que, por outro lado, as plataformas que atuam no território têm apenas 10,9% de seu acervo dedicado a produções nacionais. O Brasil precisa encontrar seu espaço nesses lugares.

De qualquer maneira, acredito que tudo está caminhando para um cenário mais positivo no audiovisual e é muito bom respirar ares de mudança.

Moa Ramalho é produtor-executivo e sócio da Café Royal