O falecimento do papa Francisco deixa uma lacuna não apenas na liderança da Igreja Católica, mas também no cenário global. Jorge Mario Bergoglio foi muito além do papel tradicional de um pontífice.
Ele nos ensinou que liderar é, antes de tudo, ter coragem de princípios – mesmo quando isso significa contrariar estruturas históricas, desafiar poderes estabelecidos ou caminhar na contramão do conforto.
Desde o início de seu pontificado, em 2013, Francisco rompeu paradigmas. Assumiu pautas delicadas e, muitas vezes, polêmicas, tanto dentro quanto fora da Igreja.
Defendeu o meio ambiente como nenhum outro papa havia feito, associando a crise climática à injustiça social em sua encíclica Laudato Si’ (Laudato Si’ foi um chamado à responsabilidade coletiva e pessoal pelo cuidado do planeta, e um alerta sobre a insustentabilidade do modelo econômico atual. É também uma ponte entre fé, ética e ação e, por isso, foi tão influente também fora da Igreja).
Demonstrou empatia e abertura ao diálogo com a comunidade LGBT+, acolheu divorciados, protegeu migrantes e não hesitou em denunciar o clericalismo, a corrupção interna e os abusos de poder no Vaticano.
Foi uma liderança marcada pela sensibilidade, mas também pela firmeza. Francisco não se intimidou diante das resistências – que não foram poucas – vindas de alas conservadoras da própria Igreja.
Ele sabia que estar à frente de uma instituição milenar exigia mais do que habilidade política: exigia valores inegociáveis. E ele os sustentou com coragem até o fim.
Esse exemplo de firmeza ética, de coerência entre discurso e prática, serve como uma poderosa lição para líderes de todos os setores – especialmente do mundo corporativo.
Executivos de grandes empresas também enfrentam dilemas profundos.
A pressão por resultados trimestrais, o conservadorismo de Conselhos de Administração e a volatilidade dos mercados muitas vezes sufocam iniciativas que envolvem responsabilidade socioambiental e compromisso com a ética. Defender pautas como diversidade, equidade, transição energética ou respeito a direitos humanos pode parecer arriscado quando o foco está apenas no lucro.
Mas é exatamente nesses momentos que se revela o verdadeiro caráter de uma liderança. Infelizmente, temos visto exemplos opostos a essa lógica.
Desde o início do governo Trump nos Estados Unidos – e com o fortalecimento de narrativas antissociais e negacionistas – diversas empresas americanas abandonaram rapidamente suas iniciativas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I).
Big techs, que antes se posicionavam como guardiãs do progresso social, recuaram ao menor sinal de pressão política ou perda de receita. O propósito virou peça publicitária.
O lucro, mais uma vez, calou os valores. O legado de Francisco nos lembra que não há neutralidade quando o que está em jogo é a dignidade humana.
Que silenciar diante da injustiça, da exclusão ou da destruição ambiental também é uma forma de escolha e das mais covardes. Que liderar com princípios custa caro,
mas omitir-se sai ainda mais caro no longo prazo.
O papa Francisco não foi um gestor de recursos, mas geriu com maestria um patrimônio simbólico e espiritual de bilhões de pessoas.
Ele nos provou que é possível transformar estruturas antigas com empatia, mas sem abrir mão da verdade. Que é possível proteger a tradição sem se curvar ao conservadorismo.
E que é possível – e necessário – ter coragem para mudar o curso das coisas. Que os líderes empresariais tenham a sensibilidade de reconhecer esse legado e a ousadia de se inspirar nele.
Porque, como nos ensinou Francisco, propósito sem coragem é apenas retórica.
E o mundo já está saturado de discursos vazios. O que falta é coragem – e exemplos concretos.
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
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