Pensar no que inspira uma canceriana na vida é até difícil, já que tudo é motivo para inspiração. Céu azul me inspira, segundas-feiras me inspiram, líderes me inspiram, uma gentileza me inspira, pessoas mais novas me inspiram.

Mas uma coisa nunca me inspirou: a corrida. Aquela história de colocar tênis, abrir a porta de casa e simplesmente se colocar em um movimento mais rápido que o natural, a ponto de não conseguir respirar, suar, sentir o coração acelerar sem controle – definitivamente não era para mim.

Até que fui morar fora do Brasil, e a necessidade de um exercício, junto com a vergonha de entrar de cara numa academia com outra cultura e outra língua que eu não estava acostumada, não me deixaram outra opção, a não ser... correr. Mas não bastava só sair correndo. Eu precisava ter um objetivo e, aí, programei uma meia maratona – porque, afinal, eu sou ambiciosa e não poderia começar com uma corrida de 5 ou 10 km, como a maioria das pessoas faz – para quando eu voltasse ao Brasil.

Para começar... começar. Ninguém quer começar correndo 1 minuto e caminhando
1 minuto. Muita gente já chega querendo correr 10 minutos sem parar e, sem preparo, desiste e segue a vida com o “corrida não é para mim”. Eu não fui uma dessas pessoas e, daí, veio minha primeira inspiração: tudo na vida é um passo de cada vez, no meu caso, 1 metro de cada vez.

Depois da rotina, você tem um plano a seguir e, se perde algum treino, o seguinte não vai ser da maneira que você espera. Quantas vezes na vida profissional eu não tentei pular algum step do processo e acabei percebendo que o resultado ficou comprometido?

O começo do preparo é cheio de altos e baixos. Pensei o tempo todo em desistir, mas, a cada km avançado, vinha uma sensação tão grande de “está valendo a pena”. E isso passou a ser praxe para qualquer coisa na vida: quando passo por um momento que parece caótico, eu respiro e penso: calma, eu vou ultrapassar esse km e vai ser uma sensação incrível.

Durante o processo de treinamento eu aprendi tanto... Aprendi que a corrida é a melhor terapia que eu poderia ter, porque é onde minha mente, inquieta, se aquieta. Aprendi que o esporte pode ser solitário, mas que correr em grupo te dá direção, te dá foco e traz cumplicidade – que só um corredor sabe o valor do olhar cruzado com outro corredor.

Concluindo a primeira prova, todo o empenho foi muito recompensado pela sensação de cruzar a linha de chegada. Eu pensei em desistir, mas olha eu ali, já pensando na próxima. Quantas e quantas vezes lembro do caos das entregas, mas do orgulho de ver o job no ar!

Depois da primeira meia, vieram outras 12 e, enfim, a maratona. Ah! Mas eu não sou capaz. São 42 km!

E lá estava eu, abrindo mão de diversão, por comprometimento – ops! Acho que fiz isso algumas vezes durante minha carreira. Lá estava eu, procurando um pacer (corredor que impõe um ritmo na corrida para uma ou um grupo de pessoas) que me mantivesse no nível que eu assumi que conseguiria! Lá estava eu duvidando que conseguiria, mas entregando o que eu podia para conseguir.

E no fim: medalha dos 42 km no peito! Quando a prova acabou, um sentimento era muito latente. Através da corrida, eu tinha virado a minha inspiração. Sua prática, antes tão temida, tinha virado uma grande diversão. Eu me diverti correndo 42 km. Não aprendi nada ali, mas isso talvez tenha sido o motivo da maior inspiração: o preparo, o empenho, os treinos, as escolhas! A corrida em si é só o job no ar, e precisa ser comemorado. Mas o processo, ah o processo, esse sim engrandece, te faz aprender, sofrer, criar novas estratégias, novos caminhos, te faz querer, sim, desistir, mas, aí, é só lembrar que a “linha de chegada” está logo à frente.

Agora, do lado de cá, toda vez que algo me bloqueia, eu saio para correr e me lembro que as coisas não vão acontecer sempre amanhã, que eu preciso de pacers – sejam eles meu time mais novo, cheio de novas skills, sejam meus gestores com todas as visões diferentes da minha. Mas, que se eu quiser, eu consigo!

E continuo correndo, pelas ruas, pelos jobs e para manter a minha inspiração!

Camila Porto é diretora de relacionamento da MField