Em setembro, tivemos a oportunidade de observar o impacto de mudanças na governança em duas empresas de setores e tamanhos diferentes: a gigante multinacional suíça Nestlé e a multinacional brasileira Ambipar, ambas ocupando posições de liderança em seus setores.
Na Nestlé, a demissão do CEO (Laurent Freixe), em 1/9/25, e o anúncio da saída do presidente do conselho (Paul Bulke) provocaram uma redução de mais de 40% no valor de suas ações.
Na Ambipar, a renúncia do CFO (João Daniel Piran) também causou preocupação no mercado e suas ações perderam pouco mais de 14% de seu valor. Uma semana antes, o diretor jurídico (Mauro Nakamura) e o diretor de relações com investidores (Pedro Borges Petersen) haviam deixado seus cargos.
O impacto das mudanças de governança vai além da reação imediata dos investidores. A reputação geral da empresa também é afetada, em algumas de suas principais dimensões.
Avaliamos a Reputação Digital* de ambas as organizações, antes e depois da comunicação das alterações em seus comandos, considerando dez dimensões: governança/ética/transparência, responsabilidade social, desempenho financeiro, qualidade de produtos/serviços/atendimento, ambiente de trabalho/cultura organizacional, liderança, visão de futuro/inovação, influência/presença na mídia/reconhecimento público, apreço/simpatia/conexão emocional e confiança.
Interessante observar que, embora as motivações para a saída dos executivos tenham sido muito distintas, as dimensões mais impactadas em ambos os casos foram as mesmas: confiança, governança/ética e liderança. A queda das ações também afetou a dimensão desempenho financeiro, como seria de se esperar.
As dimensões mais “operacionais”, como qualidade de produtos/serviços, visão de futuro/inovação e responsabilidade social, foram as mais resilientes nas duas organizações, significando que o seu diferencial competitivo permanece preservado no curto prazo, viabilizando a manutenção dos negócios e permitindo que os temas de governança sejam priorizados, com foco na recuperação da confiança.
Entretanto, em 25/9, a concessão de uma liminar protetiva contra credores agravou o contexto reputacional da Ambipar de forma devastadora, refletida numa desvalorização sem precedentes em suas ações.
É o que chamamos de “evento crítico”, quando a confiança na sobrevivência do negócio passa a ser questionada e todas as dimensões de sua reputação são afetadas, até mesmo as operacionais.
Numa escala de zero a dez, o índice de reputação da dimensão desempenho financeiro da Ambipar, já afetado pela saída dos executivos nos dias anteriores, foi reduzido pela metade, chegando a 2,8 pontos, patamar considerado crítico. Governança (3,1), confiança (3,2) e liderança (3,5) tomaram o mesmo rumo, com perdas similares.
A dimensão influência/presença na mídia, um dos pontos fortes da Ambipar, também foi significativamente afetada, com um IRD baixando de 8 pontos para 4,8.
Responsabilidade social, qualidade dos produtos/serviços e visão de futuro/inovação, dimensões que não haviam sido afetadas pela saída dos executivos, foram impactadas, mas se mantiveram acima dos 7 pontos, um patamar considerado “bom” para a reputação.
A liminar, embora ofereça proteção temporária, é vista pelo mercado como preparatória para recuperação judicial, mas as competências operacionais preservadas oferecem base para eventual estabilização.
Nos próximos 60 dias, executivos e conselheiros devem seguir monitorando as dimensões da reputação digital para definirem suas prioridades estratégicas, com o objetivo de recuperar a confiança do mercado, viabilizando a continuidade dos negócios.
*Pesquisa SocialData realizada entre os dias 24 e 26/9/2025.
Flavio Ferrari é fundador do hub SocialData e professor de análise estratégica de cenários futuros na ESPM