Esse era para ser um artigo sobre a importância da inovação para os negócios e marcas. Mas, no atual momento, não encontrei o estado de espírito necessário para escrevê-lo. Não dá para sair juntando pontas e narrando contos sobre inovação sem exercitar um preceito básico e inegociável: colocar a dor e a necessidade das pessoas em primeiro lugar. Por isso, o papo – importante e necessário – sobre inovação ficará para outra hora. Aqui, vou jogar luz às trevas e falar sobre o sentimento que escalou tão rápido quanto a pandemia, o que aparenta estar no centro da dor e da necessidade das pessoas hoje. 

Vamos falar sobre frustração. A sua e minha também. Estamos diante de um cenário rico em ineditismo. Conjunturas anteriores, como as crises de 1929 e 2008, relacionam-se apenas em partes às adversidades de hoje. Mesmo assim, desejamos desesperadamente entender para, eventualmente, termos respostas. E, por convenção coletiva – velada e inconsciente –, o que se espera é uma opinião acompanhada de uma solução assertiva, para se dar e vender. Aquela capaz de conciliar todas as variáveis críticas ao sucesso.

Nessa busca, somos soterrados por conteúdo, especialmente os que tentam significar o “novo normal”. Relatórios, artigos, infográficos, análises, matérias, textões nas redes, tudo no mesmo balaio, ao mesmo tempo e o tempo todo. Afirmações que se contradizem e fazem a cabeça falhar. Aos poucos, vencidos pela quantidade de informação, fica cada vez mais complicado achar respostas. Paralisia causada por excesso de conteúdo e a ansiedade de aprender, processar e criar as próprias respostas? Quem nunca? Decolagem cancelada por excesso de bagagem.

Porém ninguém aqui, ou em qualquer outro lugar, tem resposta para nada.

É frustrante não conseguir processar e condensar tudo em uma lista definitiva de tendências ou num insight poderoso que amarra todas as pontas. Saber que emprego, conforto e segurança nunca estiveram tão fora do nosso controle. A retomada e a flexibilização são um alento, é verdade. Mas ainda assim, não saber quando poderemos sair de casa para retomar a vida do ponto que deixamos, se é que ela ainda existirá, é mais do que frustrante.

Frustra saber que tem gente que não está dando a devida importância ao controle da curva de contaminação. E também pessoas que não ligam para o impacto na economia. Frustra a politização de um tema tão sensível e humano. E, acima de tudo, frustra saber que tem gente morrendo e que não podemos fazer muito mais do que já vem sendo feito. De forma direta e crua: viver tem sido bem frustrante. Para você, para mim e para todo mundo.

Precisamos criar espaços para sermos mais humanos e sensíveis. Sem isso, não há discussão sobre negócio ou marca que se sustente, ou se justifique. Se entendermos que a frustração é basicamente o sentimento causado por fatos inesperados que nos privam de desejos e necessidades, passamos a contar com um farol confiável para explorar as possibilidades de reação e atuação para o nosso negócio.

Nesse contexto, podemos dividir essa frustração em duas dimensões distintas e gerenciáveis, em certa medida. A primeira sendo a Privação. E e a segunda, a Expectativa.

Devemos encarar essas dimensões com suas particularidades e definir em quais campos podemos atuar. Com o radar da empatia ligado, negócios e marcas podem ajudar consumidores de incontáveis maneiras, nos pequenos e grandes problemas da Privação – como por exemplo, a onda dos Drives- In. Mas isso só ocorrerá se tomarmos um tempo para entendermos e explorarmos as possibilidades que estão ao nosso alcance para minimizar seus desconfortos, que podem ir das dificuldades financeiras ao tédio do confinamento.

Por exemplo, no campo da prestação de serviço, marcas e negócios têm se adaptado para contribuir com a melhora na qualidade de vida das pessoas. Sem citar esforços vitais que alguns têm feito para contribuir na linha de frente do problema, com doação de álcool gel, máscaras de proteção e acomodação sem custos para profissionais da saúde.

Há também a dimensão da Expectativa, que exige mais cautela nas ações. A comunicação tem vocação e talento de bons contadores de histórias, com habilidades para emocionar, encantar e engajar em ações que se conectem com o íntimo das pessoas, a ponto de destravar gatilhos de comportamento. Somos os especialistas da narrativa, para o bem e para o mal.

Mas não é hora de vender o que não pode ser vendido e nem de prometer o que não pode ser garantido. É quase irresistível falar sobre o futuro de uma forma romantizada, quase como um escape para a aprovação. Contudo, não é hora de aumentar a expectativa de ninguém, e nem tirar o foco do presente duro, mas que conserva pequenas belezas. A vida continua acontecendo e nos presenteando com novas e velhas pequenas coisas. Lembrar disso é estar um passo mais próximo do equilíbrio.

A retomada reserva desafios e oportunidades na mesma medida, e entender que as pessoas chegaram até aqui carregando meses de frustração é o ato mais humano, sensível e humilde que podemos abraçar como indústria e como profissionais de comunicação e publicidade.

Mais do que cantar respostas proféticas, talvez valha resgatar a sabedoria antiga. Lembrando daquele famoso grego que, mesmo ao ouvir ser o mais sábio de Atenas, só aceitou tal título após perceber que não era o mais sábio pelo excesso de conhecimento. Era o mais sábio justamente por saber e aceitar que ele mesmo, em si, nada sabia.

Marco Sinatura é diretor executivo de estratégia e inovação da iD\TBWA