Como a criatividade ainda é e, na minha opinião, sempre será o sustentáculo da indústria da comunicação, me interesso por caminhos mentais e emocionais trilhados por grandes criativos. A gente aprende com isso. E a música é um dos melhores territórios de aprendizado sobre processos criativos. Na biografia de Nile Rogers, Le Freak (2015), além das ótimas histórias sobre sua trajetória, ele comenta um pouco sobre como cria seus sucessos.

Em Le Freak, a vida dramática de Nile se torna uma conexão com o inconsciente coletivo global, pois Nova York era o espelho do mundo naquela época. E Nile, a antena que recebia frequências do que o mundo desejava. Para quem não conhece, Nile é o criador do Chic, e produtor premiado de discos incríveis como Let’s Dance, do David Bowie; Like a Virgin, de Madonna; Notorius, de Duran Duran; centenas de outros sucessos e, recentemente, com Daft Punk, Get Lucky.

Recomendo a qualquer CEO e também aos criativos em início de carreira ler com atenção o que Nile diz sobre a vida e a criatividade. Processo criativo é uma ferramenta muito particular e também um critério importante de escolha de sua agência. Tanto para quem vai iniciar uma carreira ou para quem vai escolher uma agência com a qual pretende criar sucessos para suas marcas. No início da Chic Organization, Nile e seu dupla, Bernards Edwards, decidiram como método colocar algo “oculto” nas canções que só eles saberiam, mas que, ao final, isso ficaria na cabeça de todos. Sabe quando existe algo ali naquela obra que chama a atenção, mas você não sabe exatamente o que é? A gente chama isso de conceito. E fizeram isso nas letras com a ótica feminina no disco Risqué (escritas por eles, dois homens) ou até mesmo com Freak Out, uma canção criada para mandar o Studio 54 de Nova York “ao inferno”, digamos assim, quando foram barrados. Colocavam sempre uma ideia, um conceito. E o mundo todo cantando o que eles escreveram mesmo sem saber o início de tudo, porém, o conceito pegava a audiência. É o entretenimento no front end e o conceito no back end. E levando isso adiante um craft impecável.

Mas, qual história contar? Como Nile sabia que o tema das canções iria gerar interesse? Como apostar num tema que pode ser sucesso ou não? Um hit maker como Nile Rodgers é uma antena do que o mundo quer sintonizar. All go rithms! Um hitmaker sente o inconsciente coletivo. Uma das histórias de insights mais impressionantes do seu “portfólio” é sobre a música que compôs para Diana Ross, I comming out, 1980. Ele já havia sido contratado para produzir o álbum de Diana Ross. Entretanto, Nile estava num Clube Gay em Nova York e foi à casa de banho quando viu pelo menos cinco ou seis drag queens que se vestiam como Diana Ross. Na época, para ele, foi uma visão inusitada que mostrava todo o amor da audiência pela estrela.

Waiteman e Nile em Cannes (Arquivo pessoal)

Ligou imediatamente para o seu dupla Bernards Edwards, que acordou para atendê-lo. Nile só pediu uma coisa. Anote aí o slogan! I’m comming out. Ao explicar para ele todo o contexto e cenário, comentou que essa música, cantada pela própria Diana, mostraria como a comunidade gay se sentiria empoderada e feliz. O efeito que ele havia pensado em quem ouvisse Diana deveria ser o mesmo quando James Brown cantava o orgulho em ser preto.

Do outro lado do telefone Bernards vibrou com a ideia e o resto é história. A letra e a música cantada por milhões em volta da Terra ganhou significados diferentes e positivos sobre desabrochar, espalhar o amor e se autoafirmar. Cada um cantou por um motivo, mas havia um conceito ali, algo profundo no subconsciente das pessoas. Essa é comunicação com conceito. Que permanece. O verdadeiro criativo tem um dedo no pulso da vida e ouve a voz do mundo pedindo um refrão, uma frase, um poema e uma mensagem. Mesmo que ninguém abra a boca para pedir ele intui o que deve ser entregue.

Obs: a foto junto a Niles foi daqueles momentos que só Cannes pode nos dar.

Flavio Waiteman é CCO/Founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br