A eficiência de ferramentas de inteligência artificial como o ChatGPT ou o Claude chega a ser assustadora. Como jornalista com mais de 15 anos de redação, e hoje atuando na comunicação corporativa, fico pensando com frequência como seria a minha rotina como repórter nos dias atuais. A velocidade com que o ChatGPT é capaz de listar estudos internacionais, muitos deles jamais publicados no Brasil, e que poderiam servir de base para uma reportagem aprofundada, teria me poupado dias, talvez semanas, de pesquisa e de conversas com especialistas.
Hoje, no papel de assessora de imprensa e estrategista de comunicação, vejo diariamente o ganho de produtividade que essas ferramentas nos oferecem. Nas empresas do Grupo Ovo usamos muito a IA. Elas permitem comparar, em segundos, cases de comunicação global. Ajudam a entender como empresas semelhantes à que você atende se posicionam em outros mercados. Tudo isso sem a barreira do idioma ou da limitação de não saber exatamente onde procurar. O tempo que se economiza é precioso, claro que desde que você saiba fazer a pergunta certa à IA.
E aí entra um ponto essencial: saber perguntar. Saber insistir, desconfiar, buscar mais. O que, em tese, sempre foi a base do trabalho de um jornalista. E é aí que entra a inteligência natural. Aquela que se forma com anos de estudo, leitura, de escuta atenta, de análise crítica, de erros e aprendizados. Essa era, e ainda é, a ferramenta invisível dos bons repórteres. E deveria ser também de qualquer profissional de comunicação.
Na mesma proporção dos benefícios, vejo diariamente os riscos do uso exagerado da IA. A escrita produzida pela inteligência artificial ainda é extremamente padronizada. Quem lê com frequência (livros, notícias, estudos ou qualquer conteúdo de fonte confiável) percebe de imediato quando um texto foi “copiado e colado” diretamente da tela da IA. E quando isso acontece, perde-se tudo. Porque quem quer ler algo que carece completamente de repertório humano, de interpretação, de afeto, de crítica?
Nesta semana, vivi dois exemplos quase caricatos dessa armadilha. Um release, claramente gerado por IA, chegou às minhas mãos com informações desconexas e até incorretas – um risco grave quando se trata de posicionamento institucional. Outro caso foi ainda mais absurdo: uma conhecida confiou cegamente no diagnóstico de uma IA sobre um dente quebrado, que a orientava a “esperar até segunda-feira” para procurar ajuda, apesar da dor intensa. “O GPT disse que posso ficar tranquila”, dizia ela. Mas… e a dor real? Desde quando o que o paciente sente pode ser ignorado?
Nada do que escrevo aqui é exatamente novo. Mas há um ponto que talvez não seja tão evidente: só quem preserva a inteligência natural é capaz de perceber os limites da inteligência artificial. Só quem sabe o que é conteúdo com profundidade consegue identificar quando falta densidade. Só quem se treinou na escuta é capaz de notar quando uma resposta automatizada ignora o essencial.
Por isso, a IA deve ser usada, sem dúvida, e muito. Mas que ela seja um impulso criativo e não um atalho preguiçoso. Que sirva para nos poupar de trabalhos repetitivos e maçantes, como a elaboração de relatórios, agendamento de posts, monitoramento de marcas. Que amplifique o pensamento, sem reduzir nossa autonomia crítica. Que sirva como ferramenta, e não como substituto da nossa capacidade de pensar, sentir e se conectar com o outro.
Roberta Scrivano é empresária, jornalista e sócia-fundadora do Grupo Ovo