Um dia, Garrincha, diante da tranquilidade e segurança de Feola que descrevia como os russos iriam jogar contra o Brasil, e a partir de sua conhecida e natural inteligência e simplicidade, pergunta ao técnico se ele tinha combinado com os russos.

É exatamente essa a sensação que temos diante do Novo Plano Diretor da cidade de São Paulo, e os planos e iniciativas das incorporadoras e construtoras, dos chamados agentes imobiliários da maior cidade do país.

Um dia, e perguntado sobre o futuro, nosso adorado mestre e mentor Peter Drucker foi direto ao ponto, “A melhor maneira de planejar o futuro é criá-lo”. E só faltou concluir, não me encham o saco e tratem de correr atrás.

O novo Plano Diretor da Cidade parte de uma realidade que existia até às vésperas da pandemia. E que traduzia o que nosso adorado mestre e mentor Peter Drucker disse há 50 anos: “Parece-me uma insanidade trazer todos os dias para o centro das cidades pessoas pesando 80, 90 quilos, gastando duas horas para ir e duas para voltar, quando tudo o que precisamos são de seus cérebros que pesam menos de dois quilos...”. Mas, não havia outra solução. Era isso ou era isso.

Hoje a realidade, no pós-pandemia, como fator acelerador de uma nova realidade que aconteceria mais dia menos dia, mais de 30% dos trabalhadores que dependiam de condução para transportar seus corpos de 40 a 100 quilos, hoje trabalham de suas casas.  E assim, não só não precisam mais passar 4 horas por dia no indo e vindo infinito, como muito menos precisam morar perto do trabalho.

Questão essa principal, que o Novo Plano Diretor pretende resolver, garantindo maior possibilidade e flexibilidade na ocupação dos terrenos, liberando mais terrenos, e possibilitando que as construtoras e incorporadoras delirem, e lancem infinitas torres de Babel na cidade, como são seus novos empreendimentos.

Ou seja, em vez de considerar as verdadeiras, atuais e novíssima realidade no pós-pandemia das pessoas, dos potenciais compradores e locadores dos novos imóveis, o Plano Diretor contemplou, exclusivamente, a necessidade econômica das construtoras e incorporadores, dos agentes do mercado imobiliário da cidade. Esqueceram-se do cliente...

Theodore Levitt, em seu artigo monumental de 1960, batizou essa espécie de síndrome de Marketing Myopia, Miopia em Marketing. De edificações que fazem com que brotem e nasçam, num mesmo terreno, edifícios árvores que produzam de cereja e gabiroba, a melancia, carambola, uva e maracujá.

Semanas atrás, em matéria no Estadão sobre o assunto, e na manifestação de uma consultoria imobiliária, lemos, “O novo Plano Diretor melhora a situação para os empreendedores devido à maior oferta de terrenos. Já para a população, esperamos abrir o leque de opções de apartamentos para a compra”.

Esqueceram-se, como um dia disse Garrincha, de perguntar para os russos. Brasileiros que, ainda empregados, trabalham de suas casas, e não mais precisam morar ao lado dos empregos ou de estações do Metrô. Que mesmo morando de forma precária e pobre, entendem ser esse o verdadeiro lugar de suas vidas, onde parentes e amigos moram próximos, e onde construíram vínculos e amizades. Compram na venda da esquina e jogam a pelada de sábado num campinho próximo...

Em meio ao caos que hoje habita parcela expressiva da cabeça das incorporadoras e construtoras, nos ignorando por completo, nós, os russos, e se é de nossa vontade, desejo, sonho, resolver tudo num mesmo lugar e todos morando juntos. Numa torre, como era a de Babel, que supostamente levaria todos ao céu...

Sem se dar conta, e colocando num mesmo empreendimento, escritórios e apartamentos, mínimos, grandes, pequenos e penthouses, e duplex, e elevadores exclusivos para os ricos e mínimos para os pobres, mais piscinas para os de baixo e outra para os de cima... e ainda algum comércio no térreo, em vez de novas Torres de Babel, estão mesmo é se inspirando em Inferno na Torre, e condenando seus novíssimos e supostamente modernos empreendimentos, a um fracasso monumental.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
fmadia@madiamm.com.br