Durante anos, fiz o que antigamente chamávamos de copidesque para textos de outros. Nada a ver com revisão ortográfica, para a qual não tenho nenhum preparo. Copidescar é, digamos, dar um trato no texto, para que fique mais organizado, em termos de exposição das ideias, seu encadeamento e fluidez, por exemplo.

Sempre com o cuidado de não cair na tentação de fazer sobressair o seu estilo. Nenhum dos textos era bom, mas alguns se sobressaíam por sua ruindade e me davam bastante trabalho para fazer a coisa parar em pé.

Eram, no entanto, esses piores, os mais curiosos e surpreendentes, exatamente por quebrarem o marasmo dos apenas ruins. Muitas vezes, me divertia, xingando o autor. Ocorre que, mais recentemente, houve uma mudança interessante, principalmente nestes textos piores.

Eles deixaram de ser curiosos por sua absoluta falta de compromisso com padrões de linguagem, e se tornaram apenas ruins, tão ruins como todos os outros ruins. Diante deles, eu não tinha nada para fazer, sem correr o risco de enfiar ali alguma coisa da minha verve.

Fui sincero com meus clientes, dizendo que os textos novos deles estavam corretos e que eu não sentia mais necessidade de interferir. Mostraram-se bem contentes e agradeceram. Claro que eu sabia que eles passaram a se utilizar da inteligência artificial.

Além de indícios evidentes, como um sofisticado uso de ponto e vírgula e travessões, em narrativas de arranjo tão primário, revelou-se também uma característica comum: a mediocridade na forma, que, em geral, tornava desinteressante o conteúdo.

Acho que dá para fazer uma analogia: imagine uma parede no reboco, com suas falhas, irregularidades, espaço por onde se vê um pedaço de tijolo... Sim, é feia, mas é ela, do jeito dela.

Agora, imagine passar nessa parede uma massa corrida, deixando tudo lisinho, naquele branco, opaco, carente de uma tinta. E dar o serviço por terminado.

O que quero dizer é que escrever mal também é um jeito de escrever, e que pode, inclusive, caracterizar um estilo. Não faltam escritores que ficaram milionários escrevendo mal.

São, aliás, os mais difíceis de imitar, talvez pelo recurso de uma radical e ingênua espontaneidade. Serão esses, provavelmente, as maiores vítimas da inteligência artificial, se, movidos pela mesma ingenuidade, julgarem apropriado adotar todos os indicativos dela.

Cheguei a essa conclusão depois de selecionar 99 artigos que escrevi nos últimos dez anos e colocá-los para uma avaliação crítica da IA. Foi fundamental fazer isso com todos os textos de uma vez para descobrir a criação, pela ferramenta, de uma outra persona-escritor.

Não era eu, e sequer estou avaliando se seria melhor ou pior do que eu. Quem sabe, para alguns leitores fosse melhor. Mas significaria a morte da personalidade.

Como morreram as personalidades dos meus queridos clientes, que resolveram terceirizar a redação, por se julgarem desqualificados para escrever. Esqueceram que, pior do que a desqualificação para a redação de um texto, é a absoluta nulidade pessoal imposta a esse mesmo texto.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
stalimircom@gmail.com