Se endividar virou um meme. Entre os jovens da geração Z, as piadas sobre nome sujo, cartão de crédito estourado e golpes financeiros viraram parte do vocabulário digital. E por trás dos memes, uma realidade econômica desafiadora: incerteza, precarização e um futuro nebuloso. Mas a pergunta que não quer calar é: essa galera está gastando mais ou simplesmente adaptando-se ao caos?
"Crédito? Nunca nem vi!"
Já há uma percepção clara de que a gen Z (18-26 anos) lida com dívidas de maneira mais flexível, quase como se fosse um preço a se pagar por fazer parte da sociedade de consumo. O dado não mente: 22% dos acordos do Serasa são feitos por essa geração, que já cresceu vendo crises econômicas e se acostumou com a ideia de que dinheiro pode ir e vir da mesma forma que uma tendência no TikTok.
Essa postura pode ser vista como uma resposta direta ao sistema econômico que falhou com eles. Cresceram ouvindo sobre meritocracia, esforço e planejamento financeiro, mas se depararam com um mercado de trabalho instável e um custo de vida que aumenta sem controle. Então, por que se desesperar para pagar um banco que, na visão deles, lucra absurdamente à custa de endividados? É um pensamento polêmico, mas que está se enraizando entre os mais jovens.
Trabalho precário, salário menor e bets: o combo da ansiedade financeira
Se os millennials foram criados com o sonho do "trabalho duro te leva ao sucesso", a geração Z viu esse sonho ruir. A dificuldade em se inserir e permanecer no mercado de trabalho formal é real, especialmente entre os jovens de classe C e D, onde os salários baixos e a falta de perspectivas tornam cada vez mais comum a busca por renda em opções arriscadas.
O aumento do número de jovens que investem (ou melhor, apostam) em criptoativos e sites de apostas é um reflexo disso. Muitos encaram essas práticas como uma solução rápida para sair do aperto financeiro. Não à toa, há uma proliferação de memes ensinando "como fazer um empréstimo e não pagar", justificando que os juros bancários são absurdos e que, no final das contas, vale mais a pena esperar uma renegociação da dívida do que se espremer para pagá-la.
Aqui, há um ponto importante de reflexão: é justo condenar esses jovens por tentarem encontrar saídas em um cenário que não oferece alternativas reais? Muitos deles cresceram vendo seus pais se sacrificarem para manter as contas em dia e, ainda assim, não conseguirem garantir uma estabilidade financeira. Para essa geração, a ideia de que "fazer tudo certo" levará a um futuro tranquilo soa como um conto de fadas ultrapassado.
Herança ou cilada?
Se o plano financeiro de algumas gerações era acumular bens e estabilidade, para uma parte dos gen Z o sonho é esperar a herança. Com um cenário de moradias cada vez mais caras e um custo de vida alto, alguns jovens sequer cogitam construir patrimônio e preferem gastar o que têm no momento presente. O consumo, muitas vezes impulsionado pelas redes sociais e pela necessidade de pertencimento, acaba superando qualquer pensamento de longo prazo.
No entanto, essa postura também pode ser interpretada como um sintoma da desesperança. Quando se acredita que a ascensão social não é mais uma opção realista, o consumo imediato se torna um alívio momentâneo. É uma forma de dizer: "Se o futuro é incerto, pelo menos eu aproveitei o presente". Essa mentalidade pode parecer irresponsável para alguns, mas faz sentido dentro do contexto de uma juventude que se sente excluída das oportunidades que antes pareciam garantidas.
Os coaches da inadimplência
Outro fenômeno interessante é o dos influenciadores financeiros que promovem estratégias não convencionais de lidar com dívidas. Para eles, o sistema de crédito brasileiro está tão quebrado que vale mais a pena deixar o nome sujo e esperar uma renegociação do que tentar quitar uma dívida impagável. O discurso parece radical, mas encontra eco em uma geração que já não acredita na estabilidade econômica e financeira de longo prazo.
Além disso, a popularização de "gurus financeiros" que vendem métodos milagrosos de enriquecimento rápido acaba alimentando ainda mais a ideia de que não há problema em assumir riscos financeiros extremos. Afinal, se o sistema já está contra você, por que não tentar virar o jogo da maneira mais rápida possível?
Afinal, gen Z gasta sem pensar ou só reage ao caos?
Talvez a grande diferença entre a gen Z e as gerações anteriores seja a forma como lidam com a incerteza. Se seus pais sonhavam com estabilidade, eles aprenderam que isso pode ser uma ilusão. No fim das contas, para muitos jovens brasileiros, lidar com dinheiro virou um grande jogo: seja nas apostas, nos créditos fáceis ou nos memes sobre o SPC, o importante é saber que a próxima rodada pode ser diferente.
A grande questão é: essa relação mais flexível com dinheiro é uma resposta inteligente ao mundo incerto ou um caminho perigoso para problemas financeiros ainda mais graves? O que parece certo é que os jovens estão reescrevendo as regras do jogo econômico, seja por necessidade, seja por revolta. E se o sistema financeiro não se adaptar a essa nova realidade, talvez ele descubra da pior forma que essa geração não está disposta a jogar com as mesmas cartas de sempre.
Kika Brandão é co-CEO da Estúdio Eixo