Semana de debates importante sobre as antigas redes sociais, que na verdade hoje são veículos de mídia. O governo francês prendeu o dono do Telegram e o X (ex-Twitter) pode fechar as portas no Brasil.

Hoje todos ficam pensando em como colocar o gênio de volta na lâmpada. E com as palavras tagueadas é quase impossível fazer uma ponderação pública sem ser cancelado. Mas, aproveitando a profusão de pensamentos do KES, evento sobre inovação do qual participei, refleti um pouco sobre o que o passado nos deu e poderia ajudar no futuro que precisamos.

Se tem uma coisa de que todo mundo concorda é que a publicidade, em especial a indústria da publicidade no Brasil, possui instrumentos que reduzem a chance da audiência paga ver propaganda enganosa, caluniosa, odiosa nos veículos de comunicação. Não exclui totalmente os riscos, como sabemos, mas diminui muito. A começar, que para anunciar alguma coisa você precisa ter um CNPJ. Um veículo de comunicação precisa, ao vender seu espaço, ter uma cadeia de responsabilidades caso exista um exagero ou algo fora dos padrões de leis e civilidade pública de quem anuncia.

As empresas anunciantes não temem essas regras e ainda não apareceu nenhum anunciante dizendo que exigir o CNPJ fere a liberdade de expressão. Para vender algo necessariamente você precisa existir comercialmente. Quem aí, escrolando imagens de cachorrinhos no café da manhã, já clicou e entrou num site falso e comprou um tênis que nunca chegou ou uma passagem aérea num site falso da sua companhia aérea preferida?

E você ao final se pergunta, mas ninguém na plataforma checou essa empresa falsa? Quem tem CNPJ e CPF tem medo. Quando algo de anormal acontece, o Conar regulamenta, julga, adverte e recomenda tirar do ar. Depois disso, é seguir para a Justiça comum. Mas existe um rastro de responsabilidade. E, até aqui, ninguém reclama que o tribunal que deu a punição ao que está errado foi fascista! São as regras que podem te prejudicar, mas podem te ajudar também. Com essas regulamentações e contrapesos a indústria da publicidade produz peças de comunicação muito mais críveis do que qualquer outro segmento da comunicação.

Chamo esse fenômeno de real ads. Experimente mentir num anúncio para ver o que acontece? E olha que coisa interessante, as marcas também não reclamam que isso fere a liberdade de expressão delas. São as regras. É o bom senso. Não vale tudo na vida, na publicidade e não deveria valer tudo nas empresas de mídias sociais. Se as mídias sociais, que não são mais redes, pois os algoritmos mandam e desmandam, batalham pelas verbas de marketing das marcas, por que elas também não obedecem as mesmas regras do mercado publicitário?

Alguns exercícios aqui:
Perfil falso? Experimente ter dois RGs para ver o que acontece. Numa simples conferência eletrônica, as plataformas simplesmente não aceitariam qualquer abertura de perfil sem uma identificação correta. Tecnologicamente isso é muito, muito simples de fazer. Qual o problema de você responder pelo que você fala ou faz?

Robôs que multiplicam clicks e audiência? Que tal um Ibope (poderia chamar Bope) para medir audiência (de maneira independente) e desconsiderar os bots dos níveis de audiência e engajamento? Robôs não compram produtos, só assistem a sua publicidade.

Sites de golpes de vendas de passagens, tênis etc.? Impossivel, pois as plataformas e seus departamentos comerciais checariam os CNPJs. Os algoritmos se desenvolveram tanto que seria muito simples para eles fazerem isso também.

Conteúdos de ódio, violência e calúnia? Não pegaria bem com aquela marca anunciante de leite em pó. Sei que a cada sugestão, milhares de raciocínios acontecem: “mas daí perde a graça”; “eu quero um perfil falso para espalhar o que está em minhas veias”; “para checar tudo eu precisaria de milhares de funcionários”; “e a liberdade de expressão”. Mais uma vez. Se a maioria das plataformas quer o dinheiro das marcas, nada melhor do que seguir as regras que a publicidade obedece hoje. Mas, pessoal, isso foi só uma reflexão.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul flavio.waiteman@techandsoul.com.br