Solange Ricoy

As bandeiras nacionais, criadas na época da consolidação dos estados nacionais, e as camisas de seleção de futebol, nascidas em 1930 com a criação da Copa do Mundo, são ícones comumente associados ao patriotismo e ao sentimento nacional em qualquer parte do planeta. Na história recente do Brasil, no entanto, os vimos sendo perigosamente apropriados e ressignificados de forma sectária.

Contrariando sua premissa unificadora e, por definição, apolítica e suprapartidária, já que esses recursos simbólicos foram concebidos para convocar e construir valores, crenças e sentimentos comuns em torno da ideia de nação – bandeiras e camisas da seleção brasileira passaram a ser empunhados como distintivos de apenas uma parcela da sociedade. Um contingente de orientação política e ideológica não apenas muito marcada, como altamente polarizante, muitas vezes permeada por um juízo que divide concidadãos entre fiéis e traidores da pátria.

Neste momento pós-eleição, em que precisamos como nunca de reconciliação nacional, a governabilidade e o apaziguamento social implicam abandonar o uso tribal de símbolos identitários da nação. Invertendo a máxima do “dividir para conquistar”, tática militar celebrizada por líderes como Felipe II, da Macedônia, o imperador Júlio César e Napoleão Bonaparte, precisamos reconquistar simbolicamente a bandeira e a camisa do Brasil para reunir a sociedade sob o sentimento supremo e comum de amor ao país.

Esse entendimento já se evidencia em inúmeras manifestações individuais, nas ruas e nas redes sociais, nas quais pessoas que não se identificam com o governo atual já reclamam o uso suprapartidário, ou mesmo apolítico, da bandeira e da camisa da seleção. Mas acredito ser não só bem-vindo como necessário um movimento mais intencional por parte das empresas no sentido de deixar de ver como tabu o uso desses ícones nacionais em sua comunicação.

A realização da Copa do Mundo parece ter dado a senha para que algumas marcas habitualmente associadas ao torneio encampassem a tendência, e a própria CBF lançou uma campanha institucional com o intuito de despolitizar a Amarelinha que, diga-se de passagem, nasceu originalmente branca, e teve sua cor alterada para que a seleção pudesse transcender a traumática imagem de perdedora na final de 1950 em pleno Maracanã lotado.

A mais popular competição esportiva do mundo é uma oportunidade boa demais para não ser amplamente abraçada pelo mercado anunciante que pode, através de seus recursos de marketing, ajudar a catalisar o retorno desses emblemas aos corações de todos nós. Até porque, a exemplo dos símbolos nacionais, as marcas icônicas buscam construir valores que sejam universalmente entendidos e apropriados popularmente como insumo de expressão cultural e identitária.

Nesse sentido, compartilho algumas sugestões para os gestores de marca que, compreensivelmente, ainda possam estar receosos em imprimir o verde e amarelo em sua comunicação:

  1. Tweak: Ressignificar o símbolo e tomar o todo pela parte. Usar as cores nacionais, mas com motes que promovam valores de união e aproximação, que à reconciliação e ao diálogo;
  2. Contexto: Tirar a bandeira do lugar da confrontação e situá-la em contextos de resolução de conflitos, nos quais ela se transforma em uma ponte para promover e refletir unidade;
  3. Assumir uma posição clara: as marcas com propósito não podem se eximir da responsabilidade social de ser formadoras de opinião e, mesmo desagradando a um grupo, assumir posições e pontos de vista claros na sua comunicação.

Devemos encarar os grandes eventos que naturalmente convocam atenção transversal da sociedade – Copa do Mundo, Ano Novo, Carnaval etc... – como plataformas estratégicas para contextualizar bandeiras e camisas verde-amarelas sob uma perspectiva mais inclusiva e generosa, para que, num futuro não tão distante, voltemos a olhá-las e usá-las de forma a nos sentirmos, todos, parte de um mesmo país.

Solange Ricoy é sócia-fundadora do Grupo Alexandria
solange.ricoy@alexandriagroup.net