Filha de professora de literatura, cresci esperando ansiosamente pelos livros
da coleção Vagalume, que a minha mãe recebia regularmente. Marcos Rey era meu autor preferido, com os seus casos de mistério. Entender os motivos por trás dos crimes era o que mais me atraía. O que levava os personagens a agirem de determinada forma?

Com o tempo, meu interesse por mistério diminuiu, mas minha curiosidade pela mente humana só aumentou. Nunca consegui resistir à tentação de escutar a conversa da mesa ao lado no restaurante (alguém consegue?). Na época do vestibular, fiquei na dúvida entre jornalismo e psicologia. Descobrir e contar histórias ou entender as motivações por trás delas?

Quando comecei a ganhar independência, passei a sentir uma necessidade insaciável de conhecer outros lugares, culturas e contextos. Mas viajar, para mim, nunca se resumiu a pontos turísticos. Procuro sempre alguém do local para me mostrar a cidade sob o seu ponto de vista.

Numa ida a Marrocos, por exemplo, fiquei mais de uma hora dentro de uma lojinha, conversando com o vendedor. Ele me contou que tinha ido para a Espanha num barco clandestino, mas voltou para buscar o irmão e nunca mais conseguiu fugir de novo. Disse que tinha também uma irmã e  ela não trabalhava nem estudava – “Como poderia, se era casada?”. Descobri que o marido era o vizinho, 40 anos mais velho, e responsável pelo sustento de toda a família. Demonstrei pesar e fui repreendida. Os irmãos estavam felizes com o casamento, já que aquela parecia ser a única possibilidade de vida digna para eles.

Fiquei horas pensando, sob a minha ótica ocidental, na vida da irmã, obrigada a se casar por sustento. E, finalmente, compreendi que nunca saberia o que ela sentia naquela situação, porque nossos repertórios e vivências eram completamente diferentes. Depois do papo, o rapaz me deu um pingente feito por ele. Mas meu maior presente, sem dúvida, foi a oportunidade de observar aquela realidade sob uma perspectiva diferente da minha.

Mais tarde compreendi que, para ver o mundo através de outros olhares, não é necessário pegar um avião. Tomar uma cerveja em outro bairro ou bater um papo com alguém que venha de outra realidade já pode abrir muito a cabeça.

Mas o que tudo isso tem a ver com comunicação? Voltando à dúvida entre jornalismo e psicologia, fiquei com a primeira opção. E, vejam só, acabei indo trabalhar com publicidade, inicialmente como redatora. Lá se vão mais de 20 anos.
Ao longo desse período, veio o digital e a era da experiência e da conexão. Veio uma necessidade ainda maior de trabalhar de forma human centric e de desenvolver narrativas que toquem na essência de cada indivíduo, sem estereótipos. Do meu lado, veio a migração inevitável para a área de estratégia. Veio a possibilidade de unir o amor pelas histórias com a curiosidade pela mente humana. O que me inspirava na coleção Vagalume é o que me inspira até hoje.

Se você trabalha com estratégia, aqui vai a minha dica: vá além de dados e relatórios. Humanos são multifacetados e não podem ser explicados apenas por estatísticas ou análises supostamente empáticas.

Simplesmente porque não dá para se colocar na pele de alguém que veio de um lugar diferente do seu. Para entender comportamentos, é preciso praticar a escuta ativa. Com atenção e sem julgamentos.

As melhores narrativas, aquelas capazes de gerar conexões reais, não vão ser criadas por nós. Elas já existem no mundo real, que vai muito além dos relatórios. Estoure a bolha e vá buscá-las. A saída pode estar bem ali, na conversa da mesa ao lado.

Deborah Serra é head de estratégia e conteúdo da Superunion BR