A comunicação vive um momento de transição radical. Se antes era tratada como um instrumento técnico, voltado à difusão de mensagens, hoje se consolida como uma prática estratégica, política e ética.

Em um cenário global atravessado por desinformação, polarização, crises climáticas, disrupções tecnológicas e instabilidade institucional, torna-se evidente que comunicar exige mais do que técnica.

Exige discernimento, sensibilidade e responsabilidade. Exige ainda – e sobretudo – altíssima capacidade de se antecipar aos enormes riscos reputacionais que nos ameaçam na “cracolândia digital”, para usar um termo cunhado pelo economista Eduardo Giannetti em seu mais recente livro ‘Imortalidades’.

Dados do estudo ‘Orçamento da comunicação empresarial 2024/2025’, realizado pelo Centro de Estudos e Análises Econômicas aplicadas à Comunicação (CEAEC) da Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, apontam que os orçamentos de comunicação corporativa no Brasil somaram R$ 31,8 bilhões em 2024, com expectativa de leve alta nominal para R$ 32 bilhões em 2025.

Embora represente uma redução real de 14,8% em relação a 2023, o volume ainda é expressivo e reafirma o papel da comunicação como eixo estratégico das organizações.

A leitura mais atenta desses dados revela uma mudança de lógica. A retração observada não reflete apenas cortes orçamentários por razões conjunturais.

A comunicação organizacional está passando por uma transformação estrutural, impulsionada pelo emprego das novas tecnologias e pelo uso crescente de fornecedores externos – inclusive para desenvolvimento de visão estratégica, além da expertise técnica.

Nesse ambiente dominado por tecnologias cada vez mais sofisticadas, destaca-se um dilema. A inteligência artificial amplia a produção e circulação de conteúdo em velocidade inédita, mas, se desprovida de mediação humana, tende a esvaziar o sentido das mensagens.

O desafio está em conciliar o uso dessas plataformas de IA, que são capazes de produzir em quantidade e velocidade exorbitantes, com os velhos preceitos da boa comunicação: clareza, pertinência, respeito ao público e base na verdade.

Um outro dilema é que, ao mesmo tempo em que tememos perder nossos empregos para a IA, o mercado não consegue mão de obra qualificada para as milhares de vagas que requerem competências tecnológicas.

O estudo da Aberje também mostra que 24,3% dos orçamentos das empresas são destinados à comunicação interna. Esse dado confirma a relevância crescente da escuta organizacional, da gestão de cultura e do fortalecimento das relações de confiança entre empresas e seus colaboradores.

Ainda assim, permanece a pergunta central: como transformar orçamento em reputação? Como fazer da comunicação uma alavanca de legitimidade e não apenas de visibilidade?

Nesse contexto, o papel do comunicador se amplia: de redator de mensagens e gestor de canais, ele passa a atuar como estrategista capaz de traduzir discursos e posicionamentos em valor para os negócios.

As tensões do mundo contemporâneo – da crise climática à desigualdade social, dos riscos reputacionais às exigências regulatórias – requerem das organizações mais do que discursos bem elaborados. Elas exigem coerência entre valores e atitudes.

A 9ª edição do Aberje Trends, que tem como tema ‘Nova desordem mundial: comunicar em tempos de tensão’, busca justamente provocar esse debate. Em tempos marcados por instabilidade e sobrecarga de informação, a comunicação se torna fundamental para a sobrevivência dos negócios.

Hamilton Santos é diretor-executivo da Aberje