Eu nunca consegui escrever, a partir de uma estrutura completa pré-concebida. Seja sob encomenda, seja como exercício de ficção, só consigo escrever feliz sobre aquilo que me inspirou.

Acho que estou exagerando. Claro que já escrevi textos, no meu entendimento, horrorosos, sobre temas não-inspiradores ou pela obrigação de me submeter a uma vigilância rigorosa contra o exercício da criatividade.

Felizmente, foram poucas essas ocasiões. Por ter confirmado e desenvolvido a minha formação profissional na DPZ, e prosseguido suas práticas tempos depois também na W, não consegui me adaptar em outras agências.

Para o bem ou para o mal, profissionais como o Duailibi, o Petit e o Zara (precursores e promotores da propaganda criativa brasileira) estimularam em mim uma original rebeldia desaforada contra modelos e padrões esperados.

Isso acabou me afastando da busca de uma formação acadêmica, consolidando um preconceito quase irracional contra fórmulas. Iniciei cursos de escrita com gente preparada, formadora de novos escritores, mas nunca consegui passar da segunda aula.

Sempre que se apresentavam equacionamentos didáticos para escrever “do jeito certo”, eu pulava fora. Tenho livros prontos, inéditos, escritos do jeito que eu quis, rejeitados por editoras.

Por um tempo, isso me incomodou. Depois, consciente de que não tinha nenhum propósito comercial, comecei a achar essa rejeição até divertida. Ao ler a nota do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo Enem, que afirma que “o critério criatividade não é objeto de avaliação do exame, pois não faz parte do construto julgado na prova de redação”, fiquei com vontade de me inscrever para o próximo exame.

Gostaria de saber o que aconteceria se começasse a redação assim: “Prezados, prometo envidar todos os esforços para que esse construto não seja criativo. Peço, desde já, sinceras desculpas, caso venha a dar alguma escorregada”.

É sério. Eu não conseguiria deixar de escrever sobre o quanto essa nota do Inep me inspirou. Será que eu seria sumariamente eliminado, mesmo que todo o restante do construto estivesse de acordo com o estabelecido?

Compreendo que a prova de redação do Enem não seja uma avaliação de talentos. Porque isso acarretaria no julgamento de uma gama de subjetividades difíceis de pontuar e encaixar numa tabela.

Quando a questão envolve milhões de pessoas, de quem o que se espera é que sejam suficientemente alfabetizadas e intelectualmente capazes de fazer raciocínios medianos e previsíveis, o jeito é estabelecer “encaixes” em que as coisas caibam ou não.

Não é por acaso que centenas de textos “sugestivos” circulem na internet, ensinando o “jeito certo” de estruturar o raciocínio para o construto na redação do Enem.

O conceito de redação que aprendi na escola primária, quando a nossa imaginação era estimulada a virar escrita, é muito diferente do que chamam de redação agora.

Até hoje aquele é o único que pratico com prazer. O outro, eu só praticaria por gozação.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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