A polêmica entre a cantora Anitta e o colunista Léo Dias provoca uma reflexão sobre o uso de celebridades como rosto propaganda de marcas, principalmente neste momento em que vivemos, extremamente politizado, polarizado, e impulsionado pela facilidade de conexão que as redes sociais proporcionam. Na era da internet, os consumidores, inclusive de entretenimento, estão mais exigentes, buscando maior propósito no consumo, e não apenas o produto que desejam, mas marcas que tenham produtos alinhados com seus princípios, sejam éticos ou políticos.

Anitta é o exemplo vivo do tamanho da expectativa que as marcas depositam em celebridades quando as contratam para vender seus produtos. Em todos os canais, sejam eles digitais ou não, a cantora brasileira está lá fazendo alguma propaganda. Com 47 milhões de seguidores no Instagram e dialogando com vários públicos ao mesmo tempo, principalmente a geração entre 18 e 24 anos, ela vende de plano de celular, a salgadinho e bebida alcoólica, com uma passadinha por produtos de beleza, apenas para citar alguns exemplos.

Mas não é de hoje que atores, atrizes, cantores e outros, foram transformados em objetos de desejo e sensações, passando a influenciar o modo como as pessoas traduzem suas próprias vidas, anseios e experiências. A conotação atual do termo “celebridade” é resultado da invenção do rádio, da fotografia, do cinema. Essas indústrias tornaram possível que a voz e a imagem humana fossem manipuladas por meio do som e da luz, da maquiagem, de figurinos, e transformadas em imagens que traduzem e possibilitam afetos: sensações, sentimentos, desejos, sofrimentos, aspirações e inspirações.

Ou seja, a manipulação da imagem humana pelas mídias possibilitou a comunicação por personagens. As variadas “personas” de uma celebridade ganharam força e valor, se tornando produto passível de comercialização por marcas e empresas. A estratégia é usar a imagem de celebridades para transferir o carisma deles para o produto que se quer vender. Ou usar as celebridades como meio de materializar valores atribuídos a essas marcas e produtos.

Entre as celebridades brasileiras mais bem pagas no Instagram em 2019, de acordo com pesquisa da Hooper HQ, uma empresa de métricas digitais, estão: o artista Caio Castro, o jogador Neymar e Ronaldinho Gaúcho. Eles foram os únicos brasileiros que apareceram na lista das 100 celebridades mais bem pagas na rede social, que tem a modelo Kylie Jenner na liderança.

Entretanto, por mais que o homem tenha aprendido a manipular imagens por meio do cinema, rádio e tv, transformando pessoas comuns em personas de deuses e deusas, as imagens que os consumidores fazem delas são sempre virtuais, instáveis e mutáveis. Em outras palavras, há sempre o risco de que a imagem da celebridade se transforme – já que está diretamente associada ao ser humano por trás daquela imagem que, por sua vez, está em constante mudança.

O uso de celebridades precisa ser muito cuidadosamente estudado. Ele pode funcionar bem para uma marca lançar um produto de forma que melhor alcance seu público-alvo, para criar valor de mercado, garantindo mais aderência de seus usuários. Mas não usar a celebridade para representar o DNA da marca, para ser a persona da marca.

Me refiro a não deixar que a celebridade seja mais importante que a marca, para que não corra o risco do público se lembrar da campanha publicitária, lembrar da pessoa que fez o anúncio, mas não saber dizer a marca do produto, nem reconhecê-lo nas prateleiras.

As marcas devem ter um rosto próprio, que as identifiquem, de acordo com o seu DNA e com a percepção que o público interno tem dela. Imagina se acontece algo inesperado que vai impedir a celebridade de representar esse papel. A marca perde a personalidade? Além disso, o ser humano por trás da persona da celebridade é mortal, pode adoecer e, com isso, se tornar incapaz de continuar a sustentar a personagem.

São situações diferentes. Uma marca pode estar associada a famosos, e também a formadores de opinião, com o objetivo de torná-los embaixadores da marca por meio de ações de relacionamento. Isso pode trazer um grande retorno, muitas vezes intangível, difícil de traduzir em números, mas que gera muita audiência e propaganda boca-a-boca. As celebridades também podem gerar segurança quando um consumidor precisa comprar um produto e vê uma marca vinculada à imagem de uma personalidade que ele conhece e confia.

A celebridade pode ser usada para “encorpar” o alcance das ações da marca, mas depender sempre da boa imagem de uma celebridade para se comunicar com os públicos é arriscado. Elas são pessoas e, portanto, erram. São inúmeros os casos, tanto no Brasil quanto no exterior, de marcas que comprometeram seu valor de mercado por terem sido ofuscadas por celebridades que se envolveram em problemas e confusões.

Já a persona da marca representada por um avatar com rosto, voz, que seja capaz de espelhar e refletir as características atuais da empresa, tais como seu posicionamento no mercado, sua missão, visão e valores, tende a ser cada vez mais lembrada pelos consumidores. Principalmente se ela se conectar, transparecer humanidade. Essa tendência tem ganhado força graças aos meios digitais e demais facilidades proporcionadas pelas tecnologias da comunicação. Isso fez com que não somente a marca, mas também seus canais de atendimento, e sua relação com seus consumidores pudessem ser humanizados.

Essas personas podem ser criadas por meio de metodologias específicas que vão ajudar a marca a descobrir qual é o seu DNA. As personas representarão essas características tão únicas da marca. Assim, acredito ser possível ter mais controle, e consequentemente, menos riscos sobre a representação desejada por uma marca.

Ainda é precipitado dizer se a imagem da Anitta como garota-propaganda será enfraquecida após o conflito com Léo Dias. Um escândalo envolvendo uma celebridade ligada à marca pode atrapalhar a relação com o público, dependendo do caso. Uma marca arranhada pode ser tanto passageira, quanto algo sem volta. Muitas tentam se prevenir acrescentando uma cláusula no contrato contra esse tipo de problema. Se algo acontecer, o contrato pode ser interrompido, mas na mente do seu público, pode não desaparecer tão rápido assim.

Leandro de Loiola é especialista em humanização e linguagem da Sercom. Sócio fundador da Image Thinking