O som vinha do andar de cima. Não era música, era um jeito de andar. Leve, apressado, decidido. Eu, no auge dos meus 16 anos, não sabia direito o que queria da vida, mas não demorou para entender que queria ser como ela. Com seus 20 e poucos anos e um apartamento recém-comprado, sem armários nem mesa, tinha toda a liberdade do mundo e um sorriso de quem parecia saber exatamente onde queria chegar. Eu queria ser assim. E ela era publicitária.

Comecei a faculdade sem muita certeza, como quase todo mundo. O ano era 2005. Aulas de Photoshop e Corel Draw, monitores cinza enfileirados, mouses de bolinha deslizando devagar. Percebi rápido que criação não era para mim. Foi nas aulas de antropologia e sociologia que algo me atravessou. Não foi um tema específico, foi a sensação de que o mundo era muito maior e que, ao entender as pessoas, seus hábitos e histórias, eu também me entendia melhor.

Pensando bem, talvez não fosse algo novo. Era um reencontro com o hábito de observar o mundo através de histórias. Foi minha mãe quem me deu meus primeiros livros, lembro bem da coleção ‘Pollyana’, porque ela me disse que foi com eles que aprendeu a gostar de ler. Eu também.

A escrita veio com o tempo, com o acúmulo das minhas histórias, das entrelinhas vividas e com o desejo de guardar tudo em palavras. Talvez tenha começado no ICQ, nas declarações cifradas do “about” ou nos depoimentos do Orkut, onde os exageros eram mais que bem-vindos. Mas foi anos depois, já no Instagram, que percebi letras e imagens se encontrando em um match perfeito.

Um dia, depois de enviar minha mensagem de aniversário, uma amiga me respondeu: “Não sabia se um dia ia chegar minha vez. Mas é uma honra receber um dos seus textos”. Foi quando entendi que não era só sobre as ocasiões, era também sobre as pessoas.

Cada fase da minha vida é sobre gente. Gente com cheiro de brisa do mar e som de CD gravado com as melhores do verão de 2007. Com sabor de café raro tomado no topo de uma fazenda na Indonésia. Com o brilho da lua na noite em que dormimos num barco na Tailândia, bem ali onde gravaram ‘A Praia’. Gente que ainda me faz sentir o frio na barriga da paixão do colégio. Gente que fica um dia, um ano, dez anos.

Tem gente com som de riso, ou melhor, de gargalhada. Como as noites no meu primeiro apartamento, dividido com uma grande amiga, que não tinha armário nem mesa, mas tinha pizza e cerveja na varanda depois do trabalho, e uma felicidade latente de duas jovens publicitárias dividindo histórias e planos.

Tem gente que é colo, como minha mãe. Parceria, como meu irmão. Cuidado, como meu pai e carinho, como minha irmã. Tem gente que é saudade, como a Su, minha colega de quarto no internato, que me ensinou tudo que uma irmã mais velha poderia ensinar. Hoje meu trabalho é olhar para dados e enxergar gente. É transformar números em análises e insights que revelam comportamentos, motivações e histórias. E, por mais que pareça exato, é profundamente humano. É sobre o que se revela nas ações, nos padrões, nas escolhas. É o jeito como as pessoas vivem, reagem, conversam, se comunicam.

Sempre ouvi que a gente deveria ser estudado e sempre concordei. Talvez tenha sido isso que me encantou lá no primeiro ano da faculdade, e que continua me inspirando agora.

Andrea Cabral é diretora de data & insights da BR Media