Recentemente, tive o privilégio de participar de dois eventos fundamentais para a indústria de marketing em Londres: o Festival of Marketing e a IPA Conference. Meu principal objetivo nesses encontros era aprofundar meus conhecimentos sobre efetividade em marketing, um campo que tem evoluído drasticamente nos últimos anos, ancorado em dados e métodos científicos.

Ao refletir sobre o impacto dessas conferências, uma analogia que li no livro “How BrandsGrow” surgiu em minha mente: a morte de George Washington. O primeiro presidente dos Estados Unidos faleceu em 1799 devido a um tratamento baseado na crença da época, a sangria, um procedimento médico comum que envolvia a retirada de sangue para curar doenças, pois se acreditava que as doenças vinham do nosso desequilíbrio emocional. A teoria dos germes ainda não havia triunfado. Washington sofria de uma simples dor de garganta, mas os médicos, sem acesso a dados ou evidências científicas, aplicaram a sangria excessivamente, o que acabou piorando seu quadro, levando à sua morte em menos de 24 horas.

Assim como a medicina do século XVIII, o marketing por décadas operou de maneira semelhante, guiado por intuições, modismos e práticas sem embasamento científico. Muitos profissionais de marketing, assim como os médicos de Washington, implementavam ações que, em vez de curar, pioravam a situação das marcas.

A revolução científica no marketing
Felizmente, assim como a medicina evoluiu com o advento do método científico, o marketing também vem passando por uma transformação similar nos últimos 10 anos. Diversas pesquisas acadêmicas e institucionais têm revelado o que funciona e o que não funciona na construção de marcas e na efetividade das campanhas.

Durante o Festival of Marketing e a IPA Conference, esses avanços foram discutidos e reforçados por grandes nomes da indústria. Abaixo, compartilho algumas das principais descobertas que marcaram esses últimos 10 anos, desmistificando práticas antigas e estabelecendo novas bases para o marketing moderno.

  1. Ativos de distinção de marca são fundamentais
    Uma das grandes descobertas recentes é a importância dos ativos de distinção de marca. Jenni Romaniuk, uma das maiores especialistas no assunto, defende que marcas que conseguem se diferenciar por meio de elementos como cores, logotipos, slogans e até sons, têm uma vantagem competitiva significativa. Esses ativos criam memórias na mente dos consumidores e facilitam o reconhecimento em mercados saturados. Ou seja, se descobriu que ficar mudando de cara o tempo todo não é um bom negócio, ao contrário do que acreditávamos.
  2. O Fim do "wear out" na publicidade
        Outra crença amplamente desmistificada é a ideia de que campanhas publicitárias perdem efetividade ao longo do tempo, o chamado “wear out”. Estudos recentes, como os da System1 e da Analytic Partners, demonstraram que campanhas efetivas não perdem sua eficácia com o tempo. Pelo contrário, campanhas bem-feitas continuam gerando resultados consistentes, se construídas com criatividade e conectadas com o público.
  3. A Regra do 60/40
        Nos últimos 30 anos, marcas que conseguiram crescer de forma sustentável foram aquelas que mantiveram uma divisão de investimentos de 60% no longo prazo e 40% no curto prazo. Esse equilíbrio foi fundamental para a construção de marca e para gerar resultados de vendas de forma contínua, como apontado por Les Binet e Peter Field em seus estudos sobre a eficácia publicitária.
  4. A Importância da consistência na comunicação
        Trocar de garoto-propaganda ou de influenciador com frequência pode parecer uma boa estratégia para renovar a imagem da marca, mas, na verdade, isso pode ser extremamente prejudicial. Marcas que se mantêm consistentes na sua comunicação, utilizando as mesmas figuras públicas ao longo do tempo, como a Nespresso com George Clooney, por exemplo, constroem mais confiança e reconhecimento junto ao público.
  5. A criatividade continua sendo a maior aliada
        Por fim, um dos pontos mais ressaltados nos eventos foi o papel essencial da criatividade na comunicação. Em um mundo cheio de distrações, onde o tempo das pessoas é escasso, a criatividade é a única ferramenta capaz de capturar a atenção e criar uma conexão emocional. Sem ela, qualquer esforço de marketing corre o risco de ser ignorado ou esquecido.

Assim como a medicina, o marketing não precisa mais recorrer a práticas que, como a sangria no século XVIII, eram baseadas em intuições ou teorias não comprovadas. Hoje, contamos com décadas de pesquisas científicas que nos mostram o que realmente funciona. O marketing moderno, impulsionado por dados e métodos robustos, está nos levando a um futuro em que marcas podem ser construídas de maneira mais inteligente, eficaz e, o mais importante, com um impacto real e duradouro.

Os aprendizados do Festival of Marketing e da IPA Conferencereforçam a necessidade de que o mercado adote essa abordagem científica, evitando erros do passado e aproveitando ao máximo as descobertas que os últimos anos nos proporcionaram. A era da "sangria" no marketing está ficando para trás — e isso é uma excelente notícia.

Gustavo Ermel é sócio e diretor de estratégia e inovação da SPR
gustavo@spr.com.br