Acabou de acontecer enquanto escrevo esse artigo. As informações vêm do UOL Notícias. Fatos inacreditáveis, porém, a espetacularização do dia a dia deixa pouco espaço para entender a singularidade do momento.
Em um dos países mais espiritualizados do mundo, bem na base da cadeia de montanhas mais alta da Terra, o governo do Nepal desliga todas as redes sociais.
Foram bloqueadas as redes: Facebook; Messenger; Instagram; YouTube; WhatsApp; X; LinkedIn; Snapchat; Reddit; Discord; Pinterest; Signal; Threads; WeChat; Quora; Tumblr; Clubhouse; Mastodon; Rumble; VK; Line; IMO; Zalo; Soul; Hamro Patro e BeReal.
Segundo o governo, a medida foi tomada para evitar abusos online em que usuários com identidades falsas espalham “discursos de ódio” e “notícias falsas”. Em comunicado, os órgãos governamentais afirmaram que respeitam a liberdade de expressão, mas disseram que querem plataformas “responsáveis e bem administradas”. Apenas TikTok e Viper cumpriram o que a lei pedia.
Alegando indignação com o bloqueio das redes e luta contra a corrupção, os jovens seguiram em protesto pelas ruas na segunda-feira. Segundo eles, o que deveria acabar é a corrupção e não as redes sociais.
A polícia abriu fogo contra manifestantes e ao menos 19 pessoas morreram.
As mortes inflamaram ainda mais a multidão, que seguiu nas ruas.
Os manifestantes espancaram políticos e membros do estado e queimaram a mulher do primeiro-ministro em sua casa.
Tudo transmitido ao vivo pelas redes sociais, que, num recuo do governo, voltaram a funcionar.
É a informação exatamente como ela apareceu no noticiário, sem juízo ou opinião.
Algumas horas depois, um influencer da extrema-direita americana, em palestra numa universidade, leva um tiro e morre no local.
Horas antes, a porta-voz da Casa Branca avisa que o uso de força militar pode ser considerado na defesa da liberdade de expressão em qualquer país do mundo onde ela esteja ameaçada.
Um barco com 11 pessoas é explodido no mar do Caribe numa operação antidrogas do Exército americano, com ordem direta do presidente, sem julgamento nem aviso de rendição ou checagem da carga. Tudo ao vivo pelas redes.
No início da era das redes, elas buscavam a isenção completa de leis locais e regulações através da simpatia e de um discurso inspirador. E conseguiram na maioria dos países, através de uma sensação positiva de sua atuação: liberdade e empoderamento numa primavera digital.
Em termos de PR, conhecemos por Primavera Árabe.
E através dessa estação, as redes chegaram ao seu verão da Califórnia. Muito poder e quase nenhuma regulação. Algo que não existe em nenhum outro negócio na Terra.
O tempo passou e os empresários das redes e big-techs mostram ao mundo que não precisam mais de jovens defendendo a liberdade pacificamente, pois já possuem aliados poderosos.
Se hoje tudo está cinza como uma tarde de outono é porque a estação chegou. As folhas secas caem de uma hora para outra como os fatos e se acumulam pelo caminho por onde tentamos andar com pouco equilíbrio. Quase impossível saber o que é verdade, opinião ou manipulação. Pode ser o auge econômico desse modelo de negócio, mas para a pessoa comum está tudo muito estranho.
Vivemos o outono nepalês.
Verdades indistinguíveis de não verdades. Opiniões tomando lugar de fatos. Violência como forma de expressão de sua liberdade. Não é à toa que a saúde mental é o grande desafio das pessoas hoje.
Seguindo as estações, o que virá daqui a pouco? O inverno?
Seja como for, chegou a hora de pegar o tênis e ir para o parque.
Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br