O pensamento mágico é um fenômeno conhecido. Acontece quando uma ideia aliada a alguma determinação promove mudanças significativas na vida das pessoas, de cidades e até países. Alguém pensa que é possível fazer algo impossível e vai atrás para realizar. É fenômeno de comunicação, pois é preciso que outras pessoas acreditem também para virar realidade. Esse tipo de pensamento foi responsável pelo aparecimento de religiões, descobrimentos e desenvolvimento de tecnologias.

Sabin sonhou com um mundo que derrotasse as doenças e desenvolveu a tecnologia para isso. Quando o homem sonhou que queria voar, o talento científico viabilizou esse pensamento. Ir à Lua ou desenvolver a energia atômica, idem. Antes da inventividade humana entrar em ação tudo é um desejo, um pensamento.

Mas se funciona para sonhos, funciona para pesadelos também. Principalmente quando não existe regras ou responsabilidades.

No mundo de hoje, para resolver problemas complexos que demandariam muito esforço, política e negociação, existe sempre uma solução simples e ineficaz que vai ser proposta e se fortalecer na cabeça das pessoas. Algo mágico que está por trás de todo absurdo que você ouve e não consegue explicação.

O trabalhador braçal que se declara empresário e é contra o imposto aos mais ricos; os terraplanistas; as pessoas que não acreditam em ciência, ou vacina, a ponto de usar a ciência de forma distorcida para provar sua tese; as teorias da conspiração, as fakes news; exemplos não faltam. Apesar de vivermos na era da informação instantânea, a evolução humana não acompanha a tecnologia. O ser humano ainda não desenvolveu o discernimento que permite decidir o que tem algum fundamento com a realidade ou não. O bom senso vai dando lugar para o absurdo que molda nosso dia a dia, a economia e democracia. Invadir o Canadá, rebatizar o Golfo do México, ocupar a Groenlândia é um pensamento mágico para resolver os problemas econômicos complexos de um país complexo como os Estados Unidos. Mas está funcionando, pois a ideia de conquista já se introjetou na sociedade americana. A indústria de armamento já deve estar fazendo contas e puxando projetos da gaveta.

O patriota deve estar feliz em idealizar a volta do protagonismo heroico de seu país; o podcaster patrocinado passa a procurar razões históricas para as anexações; a imprensa séria acha um absurdo e não sabe o que fazer com a notícia, enquanto as redes sociais estão livres juridicamente para defender o que quiser e reverberar as diversas opiniões que vão puxar o ódio para o debate, enquanto os algoritmo e as IAs vão emitindo e repetindo opiniões sobre o tema, aquecendo a conversa para que a verba de publicidade das marcas no mundo todo, que buscam audiência, patrocinem essa festa do Asilo Arkham.

Yuval Hariri no livro ‘Nexus’ pontua que a verdade é difícil de encontrar, complexa, cara e fruto de muito esforço.

Um caminho eficiente seria educar as próximas gerações a diferenciar e classificar as informações. Adicionar anticorpos, filtros de entendimento que fossem suficientes para que nascêssemos e crescêssemos sabendo identificar os pensamentos mágicos, suas intenções e suas consequências, da realidade.

Quando os povos antigos precisavam resolver problema que poderia afetar a vida das pessoas, criavam fábulas. Todas elas eram entretenimento, com mensagens dentro. Esopo, La Fontaine, Irmãos Grimm ajudaram nessa evolução. Precisamos de novas fábulas.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
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