“Farinha pouca, meu pirão primeiro”, diz o ditado. Nos Estados Unidos, embora não se possa dizer que a farinha está escassa, o seu novo governante deixa claro que quer o pirão todo, só para si. America first é isso. Danem-se os outros, quero tudo pra mim.

Repito: não se pode dizer que os EUA estejam precisando dessa ganância toda. O governo democrata está deixando o país numa situação confortável para seu sucessor.

Os EUA vêm crescendo a taxas positivas, tem praticamente pleno emprego e inflação sendo domada. Mas a nova ordem no governo é o America first e uma nova era dourada, mas apenas para o seu país.

Nem que tenha de romper amizade com os vizinhos, ameaçando incorporar o Canadá como o 51º estado americano ou tomar de volta o Canal do Panamá ou ainda sobretaxar importações de produtos.

Essa atitude gulosa conflita com tudo o que se prega de boas práticas modernas no mundo dos negócios. O capitalismo moderno propõe o respeito entre todos os stakeholders, reforçando a máxima “Um negócio só é bom se for bom para todos”.

Mas a turma que assume o poder agora não dá ouvidos a essas tendências. Eles têm as próprias regras e demonstram uma insensibilidade atroz.

A ponto de comunicar que vai interromper contribuições à OMS (Organização Mundial da Saúde) e sair do Acordo de Paris.

Incrível! Bem nesse momento crucial de transformações climáticas e demanda por ações de reversão do quadro mais que preocupante no mundo hoje.

Que nada! Muitos deles são negacionistas e não acreditam no aumento excepcional da temperatura da Terra.

Califórnia em chamas? Isso é culpa do governo daquele estado. “Incompetentes!”, diz o novo presidente. Mas o pacote de maldades, apresentado já no primeiro dia do governo Trump, tem mais ingredientes.

A expulsão em massa de imigrantes – sabe-se lá com que critério –, o fim de tratamento especial a minorizados e desdém total à questão de gêneros, reafirmando a existência única de dois gêneros: masculino e feminino, ignorando o universo LGBT+.

“É a era da meritocracia, pura e simples!”, vaticina o novo presidente, prometendo reverter programas de ações afirmativas que levam em consideração a defasagem de pessoas pretas e outros grupos minorizados na educação e no mercado de trabalho. É cada um por si!

Boa parte dos americanos aplaude essa nova ordem (afinal, o presidente foi eleito pela maioria) e diversas empresas americanas estão aproveitando a onda conservadora e negacionista para rever sua política ESG, gerando uma névoa no horizonte, que parecia claro na direção de negócios mais respeitosos e sensíveis às questões ambientais e sociais.

Na área de governança, Trump é conhecido por ignorar a ética e driblar aspectos legais, num vale tudo para seus anseios e busca de vantagens. Todo esse movimento vem deixando o lado mais consciente do mundo perplexo.

Na Europa, há um caminho sem volta na aplicação de maior rigor na adoção de critérios que obriguem as empresas a conduzir seus negócios com maior respeito socioambiental e governança ética.

Mas como lidarão com essa nova ordem americana de protecionismo e práticas em desalinho com os critérios mais nobres, visando a um mundo melhor?

Trump e sua turma deixam claro: o mundo é a América. O resto que se dane. America first! Essa postura de egoísmo e de desdém pelo bem comum é um contrapé dolorido aos movimentos globais, capitaneados pela ONU.

Como será a COP 30, a ser realizada em Belém, PA, no fim deste ano, sem a presença dos EUA?

Como é possível traçar estratégias de combate às alterações climáticas sem o maior player presente (ou com presença sem peso)?

Enfim, esperemos que o bom senso prevaleça e as atitudes leoninas desse governo insensível sejam confrontadas pelas forças do bem.

Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
alexis@criativista.com.br