Com 26 anos, ainda fico sem saber como responder a essa pergunta, talvez porque eu tenha demorado tempo demais para querer ser alguém. Eu só sabia que precisava trabalhar para ajudar minha mãe a pagar as contas de casa.

Estudar? Só até completar o ensino médio, para conseguir a carteira assinada. E, se a empresa assinar minha carteira, devo ser grata, independentemente de qualquer reclamação que eu possa ter sobre o ambiente de trabalho.

Consegui meu primeiro emprego com 16 anos, depois meu segundo, terceiro e... consegui meu primeiro trauma, o segundo e o terceiro também. Quando finalmente fui abraçada por uma profissional de recursos humanos, após a pior situação de assédio moral que havia enfrentado (tendo apenas 18 anos), pensei: “Talvez eu queira uma carreira em que possa acolher pessoas”.

Passei no vestibular para cursar recursos humanos aos 23 anos e, com 24, eu me tornei recrutadora. Conheci um mercado bastante exigente, mas, ao mesmo tempo, com mais benefícios do que empresas de outros segmentos costumam oferecer. Quando fui contratada, liguei para minha mãe e li a lista com todos os benefícios que passaria a receber – nenhuma de nós havia sonhado tão alto, então comemoramos juntas.

Eu me emocionei por, finalmente, fazer parte de uma empresa que busca ser um lugar onde as pessoas querem trabalhar. Senti orgulho de vestir a camisa de um negócio e aprendi a vestir a própria camisa, defendendo meus valores.

Por isso, eu me desafiei a estudar o mercado e fazer propostas de melhorias para construir processos seletivos com menos etapas morosas e cansativas. E eu me alegrei quando o time de Cultura e Pessoas foi elogiado pela sensibilidade e humanidade ao conduzir o trabalho. Às vezes, nem temos ideia do quanto já foi feito, mas, quando alguém nos conta sobre o cenário de outras empresas, dá para ter uma ideia do nosso crescimento e de como podemos seguir avançando.

Aprendi que, mesmo em um great place to work, ainda teria de lidar com a frustração de não conseguir promover algumas mudanças tão rápido. Então, comecei a graduação em psicologia.

Percebi que, para acolher pessoas, eu precisava acolher sentimentos. Lendo ‘As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social’, de Bader Sawaia, fui impactada pelo seguinte trecho: “A sociedade exclui para incluir (...). Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico”. Nesse momento, vivi o desconforto de me reconhecer como uma pessoa que já contribuiu com a criação de uma sociedade nociva. Passei a pensar sobre o que eu não queria ser.

Por sorte, fiz amizades que me elucidaram sobre pautas de DEI, passei a integrar o Comitê de Diversidade e conduzi minha primeira vaga afirmativa – depois, a segunda; e não parei na terceira. Pude me orgulhar por estar em uma empresa com valores alinhados aos meus.

Não tenho uma resposta única sobre o que quero ser quando crescer. Depois de viver tanta coisa, minha lista de sonhos aumentou.

Quero ser o orgulho da minha mãe; quero ser uma profissional empática, por mais que o mercado exija frieza e distanciamento; quero continuar a me inconformar com desigualdades; quero participar da construção de ambientes de trabalho saudáveis para todas as pessoas; quero retribuir o abraço que ganhei quando mais precisava; e quero que outras pessoas também possam sonhar com uma lista tão grande.

Quero chegar à terceira idade e me orgulhar da pessoa e da profissional que eu fui.

Nayara Lamin é analista de RH da Fbiz