A CPI das Bets trouxe à tona mais do que um escândalo com casas de apostas, influenciadores e plataformas digitais. Na minha opinião, o que ficou mais evidente é a fragilidade de um discurso que venho escutando com frequência e certo incômodo: promover jogos de azar como “uma oportunidade de renda extra”, como se isso fosse uma simples dica de aplicativo, de produto ou de economia doméstica.

A tentativa de se isentar das consequências desse tipo de conteúdo me parece, no mínimo, irresponsável. Quem vive da influência, seja por profissão ou vocação, precisa entender que tudo o que compartilha molda comportamentos, gera expectativas e, sim, pode causar danos. Quando alguém com milhões de seguidores fala, isso reverbera. E não dá pra fingir que não.

O depoimento de Virgínia Fonseca, na CPI da Bets no Senado Federal, me chamou atenção por isso. Quando a influenciadora foi questionada sobre fazer publicidade para marcas de bets, ela apenas se defendeu dizendo estar apresentando para sua audiência uma forma de renda extra, como se divulgar casas de apostas fosse algo inofensivo. Mas eu me pergunto: como algo pode ser neutro quando o conteúdo está atrelado a uma indústria que vive do risco de ganhos e perdas? Quando se tem tanto alcance, tanta visibilidade, não dá para se apoiar no discurso de “só estou mostrando”. Existe responsabilidade e impacto nisso.

E aqui vai o ponto que não dá pra ignorar: o vício em jogos de azar, a ludopatia, é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma doença. É uma condição séria, que afeta emocionalmente e financeiramente milhares de pessoas. A publicidade de casas de apostas, principalmente quando vem embrulhada em uma estética de ostentação, cria uma ilusão de sucesso fácil. E a verdade é que, no fundo, quem mais se agarra a essa ilusão são os mais vulneráveis, que vivem a esperança de mudar seu padrão de vida.

É por isso que acredito – e defendo – que influenciar vai muito além de entreter ou vender. Precisamos parar e pensar no que está sendo plantado em cada post, cada publi, cada clique. Seu conteúdo pode ser a semente ou o veneno, e essa escolha do bem ou mal que isso pode causar é nossa, não do algoritmo.

Acredito em uma influência que se preocupa com o que vem depois do clique e que não ignora a dor do outro, só porque sua conta bancária está cheia. Influência saudável é aquela que entende que audiência não é apenas número: são pessoas, histórias, contextos. E que cada vez que compartilhamos algo, estamos contribuindo para formar a visão de mundo de alguém.

A desculpa da “renda extra” não me convence, pois não estamos falando de um cupom de desconto. Estamos falando de vício, endividamento e até falta de insumos necessários, como comida e água, deixados de lado em nome do jogo. Quem incentiva esse tipo de prática sem qualquer cuidado, sem qualquer alerta, não pode simplesmente lavar as mãos depois que o estrago está feito. Não dá para se afastar dessas consequências como se elas não tivessem relação alguma  com o conteúdo publicado.

No fim, acredito que cada criador precisa escolher que tipo de rastro quer deixar. Um rastro de consumo? De dano? Ou uma semente de mudança, de consciência, de integridade. A meu ver, influenciar é muito mais do que fazer parte do presente digital; é pensar no tipo de futuro que estamos ajudando a construir. E eu, sinceramente, quero estar do lado que cuida, devolve, e assume aquilo que vende.

Vinícius Machado é CEO da Sotaq