Ao longo das últimas décadas, os eventos esportivos transcenderam o mundo dos esportes, se tornando uma oportunidade de ouro também para negócios de diversos segmentos e setores.

As marcas, aliás, se tornam cada vez mais fundamentais, não apenas para viabilizar financeiramente eventos tão suntuosos por meio das cotas de patrocínio, mas também para canalizar a atenção cada vez mais fragmentada do grande público. Para se ter uma ideia, nas últimas quatro edições, a audiência global dos Jogos Olímpicos esteve sempre acima dos 3 bilhões de pessoas.

Mas extrair valor dessas conversas não é trivial. Estarmos todos falando sobre o mesmo assunto não anula o fato de que as conversas hoje acontecem de forma não-linear e em ambientes caracterizados pelo excesso de informação. E aí é importante que as lideranças entendam que a conversa não é sobre a marca propriamente, mas sobre a cultura e sobre o espírito do tempo.

Uma pesquisa da Cultural Insights Impact Measure (CIIM) com 10.000 pessoas em vários grupos demográficos descobriu que anúncios culturalmente relevantes são 2,7 vezes mais eficazes do que outros anúncios, e têm 3,8 vezes mais probabilidade de melhorar a percepção da marca. Além disso, consumidores que veem anúncios culturalmente relevantes têm 2,8 vezes mais probabilidade de comprar de uma marca pela primeira vez. Portanto, o olhar das marcas deve estar atento aos valores, ideias e hábitos compartilhados pelo seu público.

Um exemplo disso é que o próprio COI, para manter relevância das Olimpíadas, percebeu que já não poderia ignorar modalidades historicamente marginalizadas, mas de grande apelo popular. Nesta edição a grande novidade será o breakdance, assim como já aconteceu com o surfe e o skate. Essa curadoria é viva porque os movimentos de cultura e contracultura são vivos. Também por isso, cabe às marcas compreenderem os eventos esportivos, antes de mais nada, como eventos culturais.

Quando Simone Biles, uma das maiores estrelas da badalada delegação dos EUA nos últimos jogos e uma das maiores ginastas de todos os tempos, resolveu priorizar sua saúde mental em Tóquio, não era um fato isolado. Aquele foi um acontecimento que representava não apenas a pressão gigante que existe entre os atletas de elite, mas também a exaustão e o esgotamento próprios do nosso tempo, aos quais todos estamos sujeitos.

A questão aqui é que existem diversas conversas possíveis a serem exploradas a partir de um evento esportivo. Isso significa que é plenamente possível que marcas de segmentos que a princípio não têm a ver com os esportes, possam participar de conversas reafirmando seus valores, a partir desses eventos esportivos.

Um olho na cultura, outro na tecnologia
Quando uma marca já compreendeu que é uma participante ativa das conversas que pautam a cultura e a sociedade, o segundo passo é propor ampliar seu olhar para a inovação e a tecnologia. Segundo o relatório "Future of Sport", realizado pela Backslash em parceria com a Dark Horse, mostrou que, quando recebeu uma lista de seis experiências diferentes de Realidade Virtual relacionadas a esportes, cerca de 70% dos fãs da geração Z e Millennial estavam interessados em pelo menos uma delas.

Fato é que o diálogo entre a tecnologia e a cultura é constante e, quando uma marca consegue participar dessa conversa de forma criativa e autêntica, o impacto é imediato.

Um ótimo exemplo aconteceu há menos de um ano, quando a Orange, operadora de telefonia e então patrocinadora da seleção francesa, driblou os vieses de gênero utilizando deepfake em um comercial que comprovou que o futebol feminino merece tanta atenção quanto o masculino, ganhando visibilidade em todo o mundo. Um golaço que pode ser analisado por vários ângulos e camadas, desde o uso criativo e positivo de uma tecnologia que de fato é assustadora, até a própria discussão da igualdade de gênero.

Como anda o aquecimento das marcas para se conectar com seus públicos nas Olimpíadas?
Eventos como as Olimpíadas são um terreno extremamente fértil para as marcas e mesmo antes do início dos jogos, já temos ótimos exemplos de como isso pode ser explorado, como a parceria entre o Comitê Olímpico Brasileiro com a Meta, que deve ampliar muito a conexão da torcida brasileira com o Time Brasil, por meio das plataformas da Big Tech.

A própria Nike - que não vive seus momentos mais vitoriosos, é verdade - está apostando suas fichas na tecnologia e nos Jogos Olímpicos para recuperar seu espaço no mercado e na cultura, investindo em tecnologia de IA para prototipagem de seus novos produtos, e na sua já consolidada estratégia de parceria com celebridades e atletas de elite. E quem duvida da capacidade da Nike de dialogar e impactar a cultura?

Novamente, para extrair o máximo de valor que os Jogos Olímpicos podem entregar às marcas, é preciso dar alguns passos pra trás para ver o quadro geral, percebendo que as conversas não são sobre a sua marca e, nem necessariamente sobre esporte.

As Olimpíadas são uma oportunidade única de olharmos para a cultura (ou para as culturas, no plural) e sermos capazes de celebrar inclusive as nossas diferenças.

E em tempos de tantos conflitos e intolerância, não há ouro maior do que este.

Marco Sinatura é Chief Strategy & Innovation Officer da iD\TBWA