Toda mulher que trabalha fora deveria fazer uma pós-graduação em tsunamis para saber como enfrentar as ondas e os desafios do mundo corporativo, conciliar as responsabilidades com a família e os afazeres da casa preservando a sua saúde física e mental.
Há alguns anos, quando meus filhos ainda eram pequenos, uma dessas ondas cruéis me pegou. Passei três semanas me debatendo nas águas agitadas do escritório, comendo pizza congelada e fugindo dos tubarões. Quando pensei que morreria afogada no meio de tantos papéis, um milagroso feriado de quatro dias me resgatou. Era a boia que eu precisava para recuperar o fôlego e seguir adiante.
Destino escolhido, família reunida, duas horas de estrada, ares da serra, malas desfeitas, roupas de banho devidamente colocadas, protetores solares estrategicamente espalhados pelos corpos, óculos de sol a postos e lá fomos para um mergulho na maravilhosa piscina do hotel. Nós, somente nós, nós sozinhos, enfim nós a sós.
E então, deitada em uma daquelas espreguiçadeiras, um clima mágico me contagiou e tive, pelo menos por alguns segundos, a sensação de que as horas se congelaram. Não sabia se o meu relax na piscina havia durado 5 minutos ou 5 horas. Se o drink que pedi ao garçom que circulava por ali era o segundo ou o sétimo. Se eu estava de olhos fechados porque ia começar a dormir ou porque estava acordando. Isso sim é que era um resgate!
Quando o sol começou a ficar mais brando e as nuvens tomaram conta do céu, decidimos abandonar a piscina e subir para o quarto. Não tínhamos compromisso nenhum, com nada nem com ninguém. Tínhamos a tarde livre pela frente, podíamos almoçar fondue ou comer um javali, podíamos ler um romance ou dormir nas redes espalhadas pelo gramado do hotel, podíamos plantar bananeiras ou comer sorvete de milho verde com jabuticaba. Enfim, compromisso zero. Obrigação zero. Enquanto eu caminhava em direção ao nosso quarto, seguida dos meus filhos, sem que eu me desse conta comecei a dizer para eles: “Rápido, vamos, anda rápido”. E foi então que a minha filha me fez a sábia pergunta: “Por que rápido, mamãe?”
Silêncio da minha parte. Naquele momento entendi que talvez aquela fosse uma das perguntas mais difíceis que alguém já me havia feito. E tive esta sensação porque por mais que tentasse encontrar uma justificativa inteligente ou até mesmo uma desculpa esfarrapada, não conseguia dar nenhuma resposta. E, durante alguns segundos, ela pensou que eu não tivesse ouvido. E insistiu: “Por que rápido, mamãe?”
Fiquei muda. Perplexa comigo mesma. Não sabia o que responder. E me dei conta de que a expressão “anda rápido” era tão comum no meu dia a dia, para tudo e para todos, que eu a estava utilizando até mesmo nos momentos mais inapropriados da minha vida.
Diante deste incidente, eu ousaria fazer uma adaptação da tão conhecida frase “O urgente não deixa tempo para o importante” e criaria a minha própria expressão: O pseudo urgente não deixa tempo para o importante. O pseudo urgente a gente inventa o tempo inteiro e usa o tempo todo como desculpa sem sentir. O pseudo urgente nos faz acreditar que o pseudo é de verdade. Faz a gente pensar que não tem tempo suficiente para curtir melhor os nossos filhos, os nossos maridos ou esposas, os nossos pais, os nossos amigos, a nossa leitura, o nosso hobby, o nosso projeto de vida, o nosso sonho.
Nos conformamos com a ideia de que não dá tempo de fazer aquela aula de spinning, de curtir aquele aplicativo com músicas de meditação, de ver dois capítulos seguidos de uma série viciante no Netflix, de se atrasar um pouco mais naquele almoço com o colega de infância que a gente se conforma em reencontrar apenas uma vez na vida e outra na morte.
E o pseudo urgente se torna tão crônico e recorrente que nos faz inclusive achar que durante um feriado não temos o direito de cruzar o corredor de um hotel em um ritmo um pouco menos acelerado que o usual, sentindo os pés descalços no chão, curtindo o momento de estar ao lado de quem se ama, sem a necessidade de estar “fazendo alguma coisa” ou “correndo para fazer alguma coisa”.
Livrar-se do pseudo urgente é dar-se a oportunidade de às vezes sentir que não se está fazendo absolutamente nada. E compreender que este “nada” pode ser muito mais valioso do que muitos “tudos” feitos por aí.
E então, quando diante do meu silêncio, minha filha insistiu pela terceira vez na sua desconcertante pergunta, eu a olhei nos olhos da forma mais doce que pude e, imersa em todos estes pensamentos, acariciei seus cabelos e respondi com toda a sinceridade: “Não sei, filha, não sei porque disse isso”.
E então completei:
“Você tem toda a razão, a gente não precisa ir rápido. Pelo menos não desta vez”.
Betty Wainstock é professora dos cursos de Competências Interpessoais e Negociação no in Company da ESPM Rio e sócia-diretora da Ideia Consumer Insights