Uma das principais atividades do marketing, que beira a arte, é descobrir o posicionamento de uma empresa. Sim, descobrir, pois você não cria algo que já existe como verdade. E posicionamento precisa ser verdade.
Fazer isso envolve informação, repertório, contexto da empresa, do mundo e intuição de todos os participantes do processo. O mercado da percepção, no qual estamos atuando, é muito complexo, mas tem uma máxima. “Você pode ser maluco, mas não doido ao mesmo tempo”. Por isso, o posicionamento pode ser o mais diferente possível, desde que possa ser explicado.
Lembra do brilhante posicionamento da Skol, criado pela F/Nazca, o “desce redondo”? O primeiro filme foi sobre o que seria uma cerveja “descer quadrado”.
Era muito doido, no ótimo sentido, mas explicava a maluquice.
Um dos exemplos mais brilhantes de posicionamento dos últimos tempos é a marca de água Liquid Death, uma invenção do empresário e publicitário Mike Cessário.
A água mineral Liquid Death vem em latas de alumínio (mais ecológicas) e a comunicação é tão diferente quanto chamar a água, que é o líquido da vida, em “morte liquida” que é a tradução literal do nome desse produto.
Como o momento de decidir um posicionamento é vital para todo o negócio, imaginemos Cessario em sua casa com o protótipo da embalagem na sua mesa, sabendo que gostaria de chegar com essa empresa no nível de Evian e Perrier, pois em termos de mercado seu produto tem preço similar. Daí ele diz num momento de eureca: vai se chamar Liquid Death!
Alguém deve tê-lo alertado dos riscos de unir a palavra “morte” com o produto água. Mas ele deve ter pensado que cada lata poderia ser um desafio à psique desafiadora que todos nós temos. Outro deve ter avisado que a qualidade da água de torneira nos Estados Unidos é muito boa e que talvez houvesse um problema com a agência governamental reguladora etc. etc. Uma outra preocupação “válida” seria que o nome espantaria a clientela. Ninguém vai servir essa água para a família! Mas Cessario via outra coisa. Talvez os jovens da geração Z que bebem cada vez menos bebidas alcoólicas, mas que continuam a ser jovens e a se verem repletos de rebeldia. E com certeza outros insights e intuições sobre esse mundo perceptório.
Cessario, que podia não conhecer muito sobre água, tinha uma tese/estratégia: a diferenciação. E abraçou esse nome e posicionamento.
E em meio ao entusiasmo abrindo essa porta, sabia que estava fechando milhares de outras.
Posicionar uma empresa é escolher uma estrada para andar por 20 anos no mínimo, sem saber onde aquele caminho vai dar, mas com a plena convicção que indo por ali se vai chegar aonde sempre desejou. Pura visão e trabalho.
Evitar distrações nesse caminho escolhido faz parte dessa fé em meio a dados, estratégia e intuição. É explorar a infinitude de possibilidades que a criatividade nos dá sem renunciar àquele espaço original e único no mundo que conseguimos ocupar.
Posicionar uma empresa é a arte de dizer não a todos os outros posicionamentos sedutores que nos são apresentados o tempo todo. Desapegar-se de tudo o que te rodeia em nome de uma decisão de valores, de uma convicção serena sobre qual caminho seguir e o que dizer.
É um exercício de força renunciar a alguns tipos de mudanças. Em empresas longevas com décadas de atuação é muito comum o flerte com a troca de posicionamento publicitário. Inovar não é apenas fazer tudo diferente. Em comunicação você constrói, não destrói para construir outra coisa.
Quando o posicionamento é bem estruturado e verdadeiro, sempre será fonte de ótima comunicação. Uma ótima agência pega o contexto da atualidade e faz uma comunicação inovadora, mesmo com um posicionamento centenário.
Algumas coisas não precisam mudar para que todo o resto mude.
Agora, existe muita empresa que não tem posicionamento definido, mesmo achando que tem. Ele pode estar escondido em algum lugar ali no negócio e não foi descoberto ainda. Quando aparece, todo mundo sabe que é “aquilo”.
Você inova, muda, atualiza a empresa ou produto, mas nunca a verdade do que você é. Sua essência.
Ser único em meio a 8 bilhões de pessoas é uma das poucas certezas que todo ser humano tem. Com as marcas é a mesma coisa.
Dias atrás, numa viagem para os Estados Unidos para gravar um comercial para nosso cliente, abri uma lata da Liquid Death e tomei o que estava lá dentro. A sensação é ótima. Saí vivo dessa experiência e com uma certeza, posicionamento líquido é ótimo.
Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br