Em um cenário no qual marcas e profissionais de marketing seguem focados em métricas como alcance, cliques e taxas de conversão, eu me deparei refletindo sobre um dado surpreendente: 84% das decisões de compra são tomadas antes mesmo de o consumidor iniciar uma busca ativa. É um número relativamente alto, especialmente se considerarmos que estamos falando sobre uma decisão de compra ainda nem tomada.
Esse número é um lembrete poderoso de que grande parte da batalha pela atenção acontece antes que o consumidor perceba que está em busca de algo. Em outras palavras: as marcas que só entram em cena na hora da “ação” estão disputando apenas os 16% restantes da jornada. Ou seja, muitas campanhas de desempenho puro, voltadas à “busca” ou à “ação imediata”, podem estar atuando apenas sobre uma pequena amostra das decisões dos consumidores. Para quem opera prateleira, leilões e varejo digital, isso costuma se traduzir em CPAs mais altos, pressão de margem e maior dependência de promoções no fim do funil.
Quando olhamos para a Black Friday, esse dado fica ainda mais evidente. A disputa pela preferência não começa no dia das promoções: quando os consumidores chegam às ofertas, a maioria deles já tem uma marca favorita em mente. Ou seja, quem investe apenas em performance na semana do evento está competindo por uma pequena parte da jornada de compra, enquanto as marcas que trabalharam influência e construção de viés ao longo do ano já largam na frente.
A hora de influenciar é antes da busca
Segundo o white paper How Humans Decide, conduzido pela WPP em parceria com a Saïd Business School, Oxford University, com base no banco de dados da WPP Media que reúne 1,2 milhão de jornadas de compra de consumidores, a jornada de compra se divide em duas fases principais. A primeira é o que chamamos de etapa de priming, ou fase pré-ativa. É o momento em que o consumidor ainda não está buscando um produto especificamente, mas já está sendo moldado por experiências de marca, contexto, ambiente, influências sociais e até estímulos inconscientes.
Depois vem a etapa ativa, quando a necessidade é disparada e o cliente passa a buscar soluções. Só que, nesse ponto, a escolha já está, em boa parte, condicionada. Ou seja: a decisão já foi tomada antes de você saber que ela existe. Por isso, quando vejo marcas concentrando seus investimentos apenas em mídia de performance, penso no quanto estão deixando de disputar o que realmente importa: a formação do viés de marca, o terreno onde as preferências são construídas silenciosamente.
Três dimensões para repensar o marketing
O estudo traz três grandes eixos que, na minha visão, deveriam estar no centro das discussões de marketing das empresas hoje em dia. Para começar, a experiência acumulada com uma marca molda nossas preferências, mesmo quando não estamos em “modo compra”. Em todas as categorias analisadas, pelo menos 70% dos clientes optaram por uma marca pela qual já tinham um viés positivo, o que mostra que, antes mesmo de iniciar uma busca, a mente do consumidor já tende a ter um favorito.
No entanto, nem todo consumidor está igualmente aberto à influência. O estudo revela que 23% das pessoas são pouco receptivas às mensagens de marca, enquanto 10% são altamente receptivas, porém demonstram menor fidelidade. Isso muda completamente a forma de segmentar o público: não basta olhar para demografia ou alcance; também é fundamental compreender o estado emocional e o momento de receptividade da audiência para atuar com mais precisão e empatia. Sinais como consumo de reviews, participação em comunidades de ofertas e interação com conteúdos de categoria ajudam a diferenciar quem precisa ser “preparado” de quem já está pronto para agir.
Além disso, os canais de comunicação não são intercambiáveis. Cada ponto de contato exerce um papel diferente de acordo com o contexto e a fase da jornada do consumidor. Escolher aleatoriamente quatro touchpointsoferece uma chance média de 20% de influenciar a decisão, enquanto selecionar estrategicamente os quatro mais eficazes eleva esse potencial para 47%. Mais do que isso: quando integrados, os canais owned, shared e earnedsão quase três vezes mais eficazes do que depender apenas de mídia paga. O poder da influência está na orquestra, não no solo.
O que isso muda para as marcas, especialmente no Brasil
Quando olho para o mercado brasileiro, especialmente no e-commerce e no omnichannel, vejo uma oportunidade clara para as marcas. Investir em construção de marca não é opcional: se 84% das decisões já estão pré-determinadas, a comunicação precisa atuar de forma contínua, antes mesmo do gatilho da busca.
Também é hora de repensar métricas e verbas. Não se trata apenas de cliques e conversões, mas de influência, receptividade e predisposição à marca. Indicadores como share of search, lift de brand search, ad recall e brand lift por cluster de receptividade ajudam a capturar o impacto do pré-consumo com mais precisão.
Equilibrar OSE e mídia paga é decisivo. O mix entre owned, shared, earned e paid define o verdadeiro impacto. Em um país como o Brasil, onde redes sociais, influenciadores, comunidades digitais e mensageria (como WhatsApp) têm tanto peso, isso pode ser uma vantagem competitiva, especialmente quando integrado a retail media em marketplaces e no varejo alimentar.
Por fim, segmentar por momento e disposição. Entender quando o consumidor está mais aberto — e quando precisa ser “preparado” — é essencial para que as marcas construam uma conexão real com seu público e reduzam o custo de conversão na semana da Black Friday.
Quando falamos em disputar atenção, o instinto do mercado é correr para onde todos estão: performance, busca e mídia paga. Mas a verdadeira disputa acontece antes, no campo invisível do priming, da emoção e da lembrança de marca.
Como profissional de comunicação, acredito que esse é o momento de repensarmos o papel da influência, da construção de marca e das histórias que contamos.
Afinal, quando o consumidor digita algo na barra de busca, a decisão quase sempre já foi tomada — ele só confirma o que o coração escolheu antes.
Catarina Flório, media strategy director na WPP Media Services (WMS)