No último evento do Clube de Criação fui convidado para debater num painel interessantíssimo sobre o fato de o Brasil ter zerado em premiação na categoria Filme no festival de Cannes 2024. Algo que não acontecia desde os anos 1970.
Na conversa, apareceram alguns dos motivos de tal desempenho: desde a constatação de que realmente não havia uma peça que realmente merecesse, até mesmo ao êxodo constante de talentos brasileiros que criam peças maravilhosas e premiáveis todos os anos, só que para agências de outros países. Entre outras suposições
Naquele mesmo dia, ficamos sabendo da partida de Washington, que com certeza está entre os maiores talentos que nossa indústria já teve, no mundo. Nos dia posteriores, li as inúmeras despedidas advindas de amigos e colegas de Washington. Uma delas me chamou a atenção. Roberto Duailibi contou um pouco como foi trabalhar com Washington na DPZ. A primeira qualidade que ele comenta sobre Washington não foi sobre a sua genialidade, mas sobre a sua ética de trabalho consistente. Washington trabalhava muito.
Malcom Gladwell escreveu em seu bem-sucedido livro ‘Fora de Série: Outliers’, sobre as 10 mil horas que seriam necessárias para se alcançar o grau de “mestre” em uma determinada função. No livro, ele explora essa afirmação ao limite, como é típico de livros com teses, demonstrando o conceito em várias atividades.
Gladwell defende que em segmentos diversos, de pilotos de avião a atletas e artistas, passando por cirurgiões é preciso dominar o ofício com milhares de horas de tentativas e erros, para depois quebrar as regras e fazer diferente ou inaugurar um estilo próprio.
E disso advém a originalidade e sucesso caso o talento ajude também. Segundo Duailibi, Washington antecipava ideias, anotava, era propositivo e se dedicava à criatividade e aos negócios intensamente. Além de se divertir com isso, que é uma visão inteligente de como viver a vida.
Nizan Guanaes, também um gênio e para quem tive a felicidade de trabalhar por vários anos. Ele também sempre trabalhou muito. Se trabalhasse pouco já seria brilhante. Mas dedicava horas e horas de trabalho intenso.
Mas esse artigo tem muito a ver com o painel do Clube de Criação e os jovens criativos. No teatro, na música, no cinema, que são funções correlatas à publicidade, os jovens, em geral, topam as dez mil horas. Um quê de admiração aos grandes nomes de suas atividades e a constatação de que é preciso ralar para chegar lá.
Na ginástica olímpica, natação e futebol, também. É natural e socialmente aceitável falar sobre dedicação e que as horas de trabalho são importantes para o desenvolvimento. Existe a dedicação, paixão, quebra de barreiras próprias e quando você sente a evolução acontecer. A maior parte das pessoas que admiramos não deixa cair a caneta às 6h da tarde, inicia uma vida maravilhosa e se realiza. Basicamente, elas se realizam 24 por dia. E não separam muito o que fazem para ganhar dinheiro do que fariam de graça.
Seria ótimo encontrar essa qualidade em mais jovens criativos. Tive a imensa oportunidade e felicidade de ter trabalhado para Washington e Nizan. Ambos geniais e intensos em horas de trabalho. Mas o que os separavam dos outros igualmente talentosos é uma qualidade emocional: paixão.
Para o Brasil voltar a ser bem-sucedido em filmes nos festivais de publicidade talvez seja necessária uma mudança. Mais horas de dedicação? Sem duvida. Mas a publicidade sob o ponto de vista de horas é somente trabalho. Isso abre discussão sobre sistema híbrido, presencial, 4x1 etc.
Sob o ponto de vista da paixão, mais horas em publicidade é pura diversão, pois esbarra em cinema, você troca ideia com maestros, compõe músicas, lança tendências, promove negócios que empregam e geram bilhões. Talvez, uma das respostas para a evolução da publicidade seja uma qualidade emocional.
Procuram-se apaixonados por publicidade.
Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
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