Como as imagens que estão à nossa volta nos ajudam a entender o mundo? Como elas nos apresentam realidades, valores, identidades e quais suas consequências? Quem ganha e quem perde com elas? Por volta de fins dos anos 1960, essas eram questões centrais no trabalho do sociólogo britânico-jamaicano Stuart Hall, que dedicou especial atenção à situação particular dos negros e estabeleceu o que chamou de “política da imagem”.
Para Hall, o real não existe em si, sendo ele uma construção social extremamente influenciada pela mídia e pelas imagens que circulam nas sociedades contemporâneas. A ideia de “representação”, conceito central de sua linha de pensamento, seria a disputa pela leitura da realidade por meio da produção e circulação de sentido pela linguagem. Já que as coisas não possuem sentido em si, elas carregam sentidos que foram sendo construídos socialmente, ao longo do tempo, tanto para aquilo que podemos perceber materialmente – como objetos e pessoas, - quanto para o que é abstrato e não pode ser visto ou tocado. “Somos nós quem fixamos o sentido tão firmemente que, depois de um tempo, ele parece natural e inevitável”, dizia Hall.
Hoje, mais de 50 anos depois de Hall ter desenvolvido seus estudos a respeito do tema, tais reflexões seguem atuais e necessárias, especialmente para quem trabalha com Comunicação. Afinal, a frequente associação de jovens periféricos a imagens de violência, bem como a (ainda) baixa representatividade de jovens negros na publicidade, podem ser consideradas como formas de estereotipagem ancoradas em um regime de representação racializada.
Durante o processo de pesquisa para minha dissertação de mestrado, entrevistei Ton Valentim, um dos fotógrafos do projeto Favelagrafia*. Formado em Design Gráfico, Ton se define como um artista visual. Nossa conversa sobre estereótipos, preconceitos e a urgência por novos olhares se deu a partir de uma fotografia de sua autoria.
Nascido e criado no Morro do Borel, no Rio de Janeiro, Ton relata que todo jovem da favela sabe muito bem o que significa ser confundido com bandido. Para ele, quem é olhado e sente o preconceito, sabe o que é. Mas quem olha sabe? A ideia do fotógrafo era provocar exatamente essa reflexão. Ton então reuniu um grupo de amigos e com eles criou uma cena que remete a imagens midiáticas comumente associadas a jovens traficantes empunhando suas armas e escondendo seus rostos. No lugar das armas, porém, instrumentos de sopro. Os cinco rapazes da foto são músicos e tocam em um grupo de jazz.
Segundo Ton, somente um segundo olhar atento e sensível nos permite enxergar instrumentos musicais e não armas de grande calibre, levando-nos a refletir sobre os estereótipos que nos rodeiam e o poder das imagens para reforçá-los ou desconstruí-los. Como uma das fotografias mais compartilhadas do projeto Favelagrafia, o nome da obra também diz muito sobre a intenção do artista: “Alguns lutam com outras armas”.
Roland Barthes, teórico francês de grande relevância nos estudos de Semiótica, descrevia seu interesse pela fotografia a partir do que ela era capaz de provocar: “...vejo, sinto, portanto, noto, olho e penso”. É preciso ver para sentir e sentir para pensar. Esse é o convite que nos fazem todas as imagens que propõem o exercício do pensamento crítico e da desconstrução de estereótipos. Estejamos de olhos abertos.
Aline Pimenta é sócia e cofundadora da empresa Oitto Impacto e doutoranda em Comunicação pela PUC-Rio