Tenho muito respeito pelas pessoas que gostam das coisas, sem precisar de uma explicação racional ou técnica para gostar. Simplesmente gostam porque lhes fazem bem.

Sempre fui assim. Desde muito jovem, gosto de música erudita. Não tinha ideia de quem compunha, nem em que época. Apenas gostava, porque escutar me fazia bem.

Com o tempo e o interesse em ouvir algumas composições, fui aprendendo a distinguir um Mozart de um Vivaldi, por exemplo, mas continuo sem saber quando se trata de Mendelssohn ou de Brahms.

Estou lendo ‘A arte do romance’, coleção de artigos escritos por Virgínia Woolf, numa tradução apaixonada de Denise Bottmann. Em ‘Horas numa biblioteca’, publicado originalmente em 1916, a escritora diferencia o erudito e o simples leitor:

“O erudito é um entusiasta solitário, sedentário e concentrado, que procura descobrir por meio dos livros algum grão específico de verdade que lhe é caro. Se é tomado pela paixão de ler, seus ganhos diminuem e lhe escapam entre os dedos. O leitor, por outro lado, precisa refrear desde o começo a vontade de aprender; se adquire conhecimento, ótimo, mas ir em busca, ler por método, tornar-se especialista ou autoridade muito provavelmente matará o que nos apraz considerar uma paixão mais humana da pura leitura desinteressada.”

Fui casado por mais de duas décadas com uma pianista clássica, pelo menos no sentido de uma formação rigorosa. Certa vez, andando pela rua, topamos com uma banca de antiguidades, em que havia uma partitura de tangos famosos. Entusiasmado, sugeri que levássemos para que ela “brincasse” em casa. Resistiu um pouco, mas acabei levando.

Toda a tentativa de convencê-la a “brincar” foi em vão. O fato é que ela se sentia capaz de extrair do piano só aquilo que fora resultado de décadas de estudo, a que se dedicara em profundidade. Improvisar, portanto, estava fora de questão.

Sempre gostei de ler e da maneira mais diversa possível. Mais velho, tirei temporadas dedicadas a autores japoneses antigos, a ponto de abandonar qualquer outra literatura. Mas isso passou e, hoje, provavelmente, não saberia citar todos os seus nomes ou associá-los corretamente às suas obras.

Lembro de, ainda adolescente, estar lendo ‘Quarup’, de Antônio Callado, e meu pai fazer questão de me lembrar que eu deveria ler tudo com “espírito crítico”. Isso me irritou profundamente e gerou uma discussão acalorada, eu defendendo que queria apenas me entregar à leitura e pronto.

Acredito que foi esse desprendimento do compromisso formativo, que leva à categorização das experiências e à necessidade do estabelecimento de um padrão de preferências, que acabou me levando a trabalhar com criação, no meu caso, em publicidade.

Um contexto em que, quanto mais aberto o leque de fontes de inspiração, mais rico o arsenal de informações com potencial de provocar a sensibilidade e, assim, gerar imputs.

Tive a sorte de exercer a profissão num momento e em ambientes, em que o valor estava no repertório particular que você colocava à disposição das formas e não na sua especialização nas fórmulas.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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