Ao refletir sobre o que, ao longo da minha trajetória, poderia, em alguma medida, representar inspiração para alguém, confesso que me assolou a incerteza sobre quais dimensões da minha história poderiam ser efetivamente inspiradoras. Tal insegurança me impediu de trazer para cá temas mais recorrentes e, por sorte, amplamente mais discutidos atualmente, como os desafios da maternidade solo e a não valorização do tempo feminino, especialmente nos ambientes corporativos.

Contudo, me debruçar sobre as memórias de cada passo percorrido me possibilitou a reflexão de que havia uma crença pessoal que permeava tudo, que conectava as curvas da minha jornada: o sentido da minha vida, em todas as expressões da minha existência, está ancorado na ação, sobretudo a religião.
Sou nascida e criada em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, e tive oportunidade de acesso a uma boa educação. Formei-me em comunicação social, construí uma carreira na propaganda, me pós-graduei em economia e gestão de sustentabilidade e hoje trabalho com estratégia de sustentabilidade corporativa. Considero-me determinada, prática, estudiosa, resiliente e muito responsável. Não obstante, sou também descontraída ao extremo. Gosto de samba, de liberdade, de cerveja, de Carnaval, de falar palavrão e, principalmente, de gente que é de verdade, com seus anseios, suas histórias, seus sorrisos e suas mazelas. E, sim, sou bastante religiosa, desde muito jovem.
Ao longo da minha vida corporativa, esse traço parecia ser invisível para quem convivia comigo. Mais do que isso, era impensável, não cabia dentro da minha personalidade, já que a percepção dos que me conheciam era moldada nos padrões que excluíam a devoção do viver intensamente ou do raciocínio estratégico que eu imprimia à vida pessoal e aos negócios.

Nas corriqueiras dinâmicas corporativas de “quebra-gelo”, sempre que me pediam para dividir com os grupos de trabalho duas verdades e uma mentira a meu respeito, eu enumerava: - Amo futebol; - Já andei de balão e – Sou muito religiosa. A majoritária aposta dos grupos era que ser religiosa seria a opção falsa (em tempo: nunca andei de balão). De uma certa forma, compreendo essa percepção. Considero-me mesmo uma religiosa, atípica.

Em minha tradução pessoal sobre o tema, a religião deveria estar a serviço da evolução de pensamentos, de sentimentos, das pessoas, do mundo. Fiz da religião uma grande norteadora para a prática do bem-querer, materializando assim os anseios por justiça social.

Foi a religião que me inspirou e me moveu para o desenvolvimento de projetos de impacto positivo, fazendo-me ter clareza sobre os meus privilégios e meu dever em oferecer ao mundo, em troca, recursos para quem injustamente não compartilhava dos mesmos privilégios.

Foi a religião que me ensinou que ninguém transforma a vida de ninguém, que cada um é protagonista da própria história e, portanto, donos de seus desejos e vontades.

É prepotência e também uma forma de autoritarismo considerarmos que realmente possuímos a solução ideal para a vida de outras pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. E nos cabe apenas contribuir para que seus direitos sejam garantidos e suas vontades e sonhos viabilizados.

Junto com outras pessoas igualmente tomadas por esses mesmos valores criamos o ‘Programa Fé no Futuro’, um projeto de desenvolvimento humano para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica (majoritariamente famílias monoparentais femininas), do qual sou gestora há mais de 30 anos – uma vida paralela à minha carreira profissional, também costurada na conjugação do verbo agir.

É fato que minha crença pessoal, de que o valor da religião está ancorado na ação, teceu a minha história, permeou toda a minha existência e ajudou a me construir como uma pessoa que vibra com a vida mundana e inclui a busca da felicidade nos mandamentos divinos.

Claudia Mattos é sócia e cofundadora da empresa Oitto Impacto