O que um especialista em Felicidade e Bem-Estar tem a contribuir para o mercado da moda? Algumas coisas, considerando que ela é uma forma de expressão do “ser e estar” de cada um e, cada roupa, com seu corte, cor e origem (cultura e marca) traz uma porção de significados e transmite mensagens sobre “quem sou, como estou ou quero ser percebido pelas pessoas ao redor”.
O que um comunicólogo, publicitário não praticante, que já foi estagiário de produção de figurino no início dos anos 2000, tem a acrescentar ao mercado da moda? Algumas coisas, levando em conta a potência e relevância deste mercado para a economia e o setor de empregos, que atua na criação de imagem social, como signos de status, resistência e pertencimento nas diversas áreas da sociedade. Como afirma Mia Couto, “Toda a roupa recebe a alma de quem a usa”.
Sou consumidor de moda. Meu guarda-roupa tem peças de slow fashion, fast fashion e “camisetas engajadas”. Em busca de uma vida mais minimalista, alinhada aos conceitos de sustentabilidade, busco praticar um consumo consciente, adquirindo novas peças apenas quando realmente é necessário.
A necessidade de renovar o guarda-roupa a cada estação (ou pelo estímulo gerado por um post nas redes sociais) nos remete ao conceito de hedonismo, muito estudado pelas ciências da felicidade, que está ligado a uma busca por satisfação, prazer e conforto, que permite evitar, minimizar ou anestesiar dores e sofrimentos. A princípio, não há nada errado com isso.
Viagens com a família, jantares e happy hour com amigos ou uma noite na balada também são práticas hedonistas importantes para o bem-estar e para a construção diária da felicidade individual. A mesma coisa acontece com uma “roupa nova”, que gera prazer na compra, manifesta traços da personalidade, gera acesso a novos espaços e pode elevar nossa autoestima. Uma roupa não é só uma roupa. Um acessório é muito mais do que um penduricalho.
O Hijab, véu que cobre o cabelo e o pescoço de mulheres islâmicas; e o kipá, usado por homens judeus, são muito mais que um adereço. O mesmo vale para saias usadas por algumas mulheres evangélicas e a vestimenta branca usada nas sextas-feiras por fiéis de religião de matriz africana.
Toda roupa traz um significado. Todo acessório traduz uma mensagem.
O problema talvez exista na relação que adotamos com o objeto. As práticas hedonistas, feitas por um “emotional consumer”, por puro impulso, são processadas pelo cérebro de forma mais rápida e tendem a estimular uma repetição contínua, gerando um ciclo de insatisfação, compulsão
ou vício.
O oposto (complementar) do hedonismo, ou a busca excessiva pelo prazer, pode ser chamada de eudaimonia, conceito filosófico que inspira buscar uma vida com significado e propósito, promovendo uma elaboração interna mais duradoura, tornando a sensação de bem-estar mais constante e capaz de apoiar o enfrentamento dos desafios cotidianos.
No mundo capitalista, estimulado e alimentado pelo ato da compra, fica cada vez mais complicado encontrar uma relação eudaimônica com o consumo. É desafiador manter uma relação consciente e sustentável frente aos estímulos, anúncios e promoções.
Voltando à moda, faço uma referência (e reverência) a Costanza Pascolato: “Se uma peça não vale ser repetida, também não vale ser comprada”. Logo, é chique repetir looks e é sustentável fazer compras conscientes. Essas duas variáveis, por exemplo, apoiam sentimentos como individualidade, segurança, humor, coragem e autoestima (incluindo aqui, a relação do indivíduo com seu corpo).
Glória Kalil, outro ícone da moda brasileira, também afirma que “repetir roupa é sinal de personalidade e de que você acerta no look”. Aqui, tomo a liberdade para fazer a seguinte provocação: adotar o “look certo” tem muito mais a ver com o uso daquilo que traduz sua identidade (eudaimonia) do que estar na moda imposta pelas redes sociais dos influencers (hedonismo).
E o que tudo isso tem a ver com felicidade e a pulseira de fita adesiva da Balenciaga?
Como disse no começo do texto, tenho conhecimento raso sobre o mercado fashion, a semiótica da moda e suas tramas. Mas acredito que, depois de campanhas que flertavam com BDSM e crimes contra a infância, tênis podrinho e bolsa de “saco de lixo”, essa pulseira da Balenciaga nos alerta, mais uma vez, como a “cola da moda” tem tempo limitado de duração.
Comprometida com a sustentabilidade, introduzindo materiais mais responsáveis, reciclados e reutilizáveis em suas peças, a Balenciaga, mesmo com suas “derrapadas”, provoca o mercado (consumidores e concorrentes), gerando desconforto e uma nova visão do que é moda e o que é ser elegante.
“O vestuário fala”, já diria Umberto Eco, logo, moda é ideologia. Por isso, não basta discurso ou campanhas provocadoras. É preciso práticas coerentes, que ultrapassem as palavras que cabem “no papel e nas redes sociais”.
Se não faz sentir, não faz sentido e “não cola”. E, o que era pra ser moda, pode se tornar apenas “um pano costurado com botões e brilhos aplicados, sem história e sem contexto”.
O mundo pede mais saúde mental, logo, mais autoconhecimento e autopercepção.
Não faz sentido usar uma roupa ou acessório apenas para se encaixar numa realidade que não traduz sua identidade. Uma roupa que te molda e te encaixota para caber num meio, que não valoriza quem você é de fato, tende a gerar desconforto, inadequação e murchamento mental e emocional. Até quando o mercado de consumo investirá seu poderio, dinheiro, estratégias e potencial humano na geração da inadequação do consumidor?
A realidade é que vivemos num mundo, criado pela publicidade e pela moda, que impera o “ter” ou “parecer” e não o SER. Talvez por isso, encontramos na atualidade tantas pessoas em sofrimento, com jovens menos felizes do que os mais velhos, como foi apresentado no ‘Relatório mundial da felicidade’ publicado pela ONU no início do ano.
A pulseira da Balenciaga nos lembra que a fita adesiva é descartável como muitas peças da moda, diferentemente da cultura ancestral, como provou a formanda catarinense de serviço social, que usou pela primeira vez, em meados de abril, uma beca branca em honra e respeito às suas tradições religiosas.
Como chief happiness officer, gostaria que o Brasil entendesse que os uniformes pretos, fechados, escuros, produzidos em tecidos pesados e com pouca respiração são inadequados para os trabalhadores que cuidam da nossa limpeza e segurança. Que o terno e a gravata, símbolos de respeito e status para advogados e executivos que transitam pelas ruas e avenidas de um país tropical (sim, isso também tem a ver com a moda), impactam negativamente no bem-estar e no desempenho desses profissionais.
Meu olhar de coolhunter reforça a necessidade de aprendermos com a cultura de rua, com a moda da periferia e os estilos incríveis que transitam pelo espaço urbano, fonte constante de inspiração para os criadores de moda.
A felicidade, não como um sentimento e sim como um construto social, está presente na moda diversa, crítica e inclusiva, sem estigmas, estereótipos e apropriações de estilos e culturas. Vida longa aos que batalham para tornar presente sua origem, sem romantizar e glamourizar a pobreza e os preconceitos, valorizando, corajosamente, suas vestimentas, acessórios, estilo de cabelo etc.
Sim, a moda pode servir como ferramenta para nutrir sentimentos positivos, fortalecer amizades, proporcionar uma relação positiva com o corpo e fortalecer a individualidade de todos, do usuário da fast fashion até o consumidor da alta costura, desde que haja consciência.
Rompa com os grilões da moda, faça as pazes com o seu corpo, com seu jeito de ser e estar, lembrando que seu jeito único de ser sempre é o que te levará à verdadeira felicidade.
Rodrigo de Aquino é embaixador da ONG Doe Sentimentos Positivos e fundador do Instituto DignaMente