Anos atrás, o Detran fez uma surpreendente revelação. Muitos jovens decidiram despedir-se, como propriedade – dos automóveis –, a partir da virada do milênio e muito especialmente de 2001 em diante. E traduziu essa nova realidade em números.

Por exemplo, no ano de 2014, 3 milhões de jovens tiraram carta, a tal da carteira de habilitação. Em 2018, esse número despencou para próximo de 2 milhões, ou seja, em quatro anos, caiu, perdeu, murchou, 33%!!!

Traduzindo isso na idade média em que as pessoas passaram a tirar carta, dos 17 anos, 11 meses e 30 dias de décadas atrás, quando ter e dirigir um automóvel era o grande sonho e objeto de desejo dos jovens brasileiros, subiu para acima de 25 anos aproximando-se, rapidamente, dos 28 anos! Apenas 10 anos depois!

Alguns depoimentos dos jovens de hoje sobre suas relações com o automóvel.

“Eu não preciso de carro e, quando tenho de sair, meu pai me leva ou uso transporte público ou os aplicativos...”. Milton Moreira, universitário, Santo André.

“Quando eu era mais jovem, e meu pai instrutor de autoescola, tudo o que ele queria é que eu tirasse carta... ele morreu quando eu tinha 18 anos, hoje tenho 27, e jamais senti vontade de ir atrás da tal da carta... Para voltar das baladas antes usava táxi, e agora Uber, ou venho de carona com amigos, claro, desde que não estejam alcoolizados...”.  Carolina Nogueira, professora.

“Até para viajar uso aplicativos de carona. Vou para o Guarujá por R$ 20... Para que comprar carro e ainda arcar com despesas de manutenção... E quando vou às compras recorro ao Uber e demais aplicativos, e assim, se tiver trânsito, vou falando com meus amigos no celular, e ainda não tenho de me preocupar com estacionamento e gastar com licenças e Zona Azul...” Antônio Pedreira, corretor.

“Minha maior felicidade é subir a Rebouças na hora do rush. Eu de táxi, e os trouxas em seus carros. Em cinco minutos vou da Faria Lima ao túnel do Pacaembu. Os do lado, com seus carros lindos, levam uma hora e não conseguem dissimular a tristeza no olhar... Por que insistem?”. Belmiro Simões, pastor evangélico.

Ou seja, amigos, mudou.

Mudou radicalmente, e para sempre. O business de automóvel precisa urgentemente entender o que se passou com as pessoas, muito especialmente a partir do ambiente digital e todas as suas possibilidades.

Curto e grosso, no “shopping list” dos jovens de hoje o automóvel não figura em nenhuma das 10 primeiras posições. Até a virada do milênio ocupava a primeira posição e de forma destacada.

Outro dia li uma matéria na revista da Fapesp que apontava para os carros como “Fonte Ambulante de Alergia”. Começava dizendo: “Quem tem alergia começa logo a espirrar ou tossir assim que entra em um carro. Parece ter alergia ao próprio carro...”. Agora não parece; tem! Absolutamente irrelevante se é a gasolina, elétrico ou flex; os jovens, agora e na maioria, são alérgicos a automóveis.

Acho que a indústria automobilística vai descobrir, tardiamente, que seu maior desafio não era a poluição. Era a irrelevância progressiva naqueles que até anos atrás sonhavam com os 18 anos, com a carta, com o primeiro automóvel... O sonho virou pesadelo.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
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