O mercado publicitário entrou em uma nova pandemia silenciosa. Não começou com um vírus. Começou com os grandes grupos e se espalhou em uma velocidade assustadora. O nome da doença? síndrome de consolidação. Seus sintomas já são conhecidos: morte de marcas icônicas, desrespeito pela história, demissões em massa, insegurança crônica e uma enxurrada de posts nostálgicos que parecem obituários do nosso próprio setor. Mas há um efeito colateral ainda mais perigoso: uma miopia estratégica tão profunda que nos afasta justamente do que poderia ser a cura de longo prazo. E, ao contrário da pandemia anterior, quase ninguém está trabalhando em um antídoto. É exatamente aí que, na minha visão, precisamos colocar toda a nossa energia agora.
Nesse caos, emerge também um negacionismo generalizado. De um lado, o negacionismo financeiro: praticado pelos reis da planilha, operadores que tratam criatividade como equação e enxergam valor apenas no que pode ser reduzido, cortado, comprimido. Gente que acredita que a salvação está em vender mais caro produzindo menos, como se a publicidade fosse linha de montagem. Do outro lado, o negacionismo tecnológico: visionários apocalípticos que juram que a IA vai engolir todos nós e transformar a publicidade em um subproduto do setor de tecnologia. Dois extremos, mas um mesmo problema: ambos desviam completamente o foco daquilo que realmente importa. Ambos atrasam nossa recuperação.
O grande ponto é que o problema de curto prazo é o que menos importa. Corte de custo sempre existiu. Ajuste sempre foi parte do jogo. Para entender a verdadeira raiz da crise, é preciso afastar o zoom. E, olhando de longe, fica claro: a síndrome de consolidação só pode ser combatida com uma vacina de diversificação. Explico: matar marcas históricas como DDB, FCB, JWT e tantas outras não é apenas doloroso para o mercado, é uma estratégia profundamente equivocada para o momento que vivemos. É míope porque opera no curto prazo. É rasa porque aplica lógicas industriais e operacionais em um mercado que vive de criação, experimentação, subjetividade e impacto cultural.
É uma resposta de quem não entende a natureza do nosso negócio. Se somos um setor de serviços, toda crise de valor deveria ser combatida com novas teses e não com consolidação. Teses que tragam novos modelos de negócio, novas metodologias, novas formas de provar impacto no negócio dos clientes, novas alavancas para chegar a ideias mais criativas e mais eficientes. O mercado de startups opera assim há décadas. Fundos e VCs colocam dinheiro em múltiplas apostas, não em uma só. O investimento segue a ideia, não o contrário. É simples.
Cada tese nova amplia o território estratégico onde a indústria pode atuar. Quanto mais teses, mais chances de criar novos tipos de impacto e, portanto, mais valor para os acionistas. Por essa lógica, o caminho óbvio seria diversificar e não consolidar. Diversificar pensamento, modelos, metodologias, produtos criativos, perspectivas. Quanto menos empresas, menos teses. Quanto mais empresas, mais experimentos, mais aprendizados, mais espaço para inovação real.
O verdadeiro problema não é ter um ecossistema com várias marcas, é ter estruturas inchadas, burocratas bem pagos e executivos que usam toda sua energia para alimentar o jogo das planilhas, não o jogo da criatividade. Gente que virou refém do ego dos prêmios e do medo de CEOs obcecados por margem. Enquanto isso, consultorias e empresas de tecnologia investem pesado em evoluir suas teses. Startups reinventam modelos. Agências independentes surgem com posicionamentos inusitados e filosofias próprias. Todos empurrando o mercado para uma nova forma de diversificação não só de entregas, mas de mentalidade.
Há muita gente tentando puxar essa indústria para frente. Mas a verdade incômoda é que os grandes grupos são essenciais. Com eles, temos escala suficiente para reagir rápido, testar teses em grande escala e mudar o curso do setor inteiro. E é justamente por isso que a síndrome de consolidação é tão perigosa: porque, se ela continuar avançando, vamos perder nossa capacidade coletiva de inovar. E, sem inovação, não existe futuro, só sobrevivência. E sobreviver nunca foi o papel da criatividade. Ela existe para desafiar, reinventar, provocar. Talvez seja essa a chamada que precisamos ouvir agora.
Caio Del Manto é cofundador da Euphoria Creative