Circa 1993. Quando eu era garoto, morava em um apartamento na zona sul de São Paulo. Era um bom apartamento e o banheiro em que eu tomava banho tinha uma característica especial para mim, sua janela era virada para o leste. Isso fazia com que os meus banhos antes de ir para escola fossem acompanhados de um sol matinal que inundava o banheiro de luz, refletia lindamente na água que caía do chuveiro e, de maneira ainda mais exuberante, refletia em suas gotículas quando a água batia na minha cabeça – que na época tinha muito mais cabelo do que atualmente. O sol preenchia o banheiro de luz e isso enchia meu coração de alegria. Não sei explicar o porquê, mas fazia meu dia melhor.

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A vida no audiovisual é incrível e os prazos também, tanto na publicidade (jobs) quanto no conteúdo (projetos). Todos nós sabemos, é o bittersweet da jogada. É impressionante o que fazemos em tão pouco tempo, dá trabalho e dá uma seretoninazinha também. Mas tenho pensado muito em um conceito batido, porém muito útil: o ócio criativo. Afinal, ter a obrigação de estar inspirado é uma tarefa complicada, por isso usamos estratégias e técnicas para nos inspirar, como referências, reciclagem, estar antenado a tudo que tem acontecido no meio musical, relativas maiores e menores, acordes de substituição, harmonia negativa (eita!) e por aí vai.

É muito difícil parar para se inspirar, principalmente durante o dia, quando o relógio tá ticando e os prazos diminuindo. Mas, de qualquer forma, é muito necessário. No primeiro ano de pandemia morei dois meses em um sítio de um amigo. Lugar maravilhoso, natureza, silêncio. Minha companheira (e cuidadora, rs) fazia algo comigo todo dia que era incrível:

–Desliga por 15 minutos e vem tomar um sol aqui fora.

Ou ainda mais:

– Desliga por 15 minutos e fica um pouco no balanço.

Sim, tinha um balanço!

E o que acontecia? Era inspirador para caramba! Fazia uma diferença tremenda
no meu dia e naquilo que eu produzia. Fiz coisas incríveis naquele período sem recorrer a (tantas) estratégias e técnicas de composição.

Corta para o banheiro. Outro banheiro, outro apartamento. Em 2015, fiz a trilha da série O Hipnotizador para a HBO, junto com meu irmão, Guilherme Garbato. E foi uma das coisas mais legais que já fiz. Orquestra, diretores incríveis, loucura total de prazo e entregas. Mas, voltando ao banheiro, foi tomando banho que eu compus algumas das trilhas da série, inclusive a abertura. Cantarolando no banho, saía uma melodia, que depois desenvolvia, harmonizava, produzia... Teve até uma gravação de celular que entrou como SFX de algumas das músicas, com o ruído da água descendo no ralo do banheiro, manipulada, formando um drone único que representava muito o personagem de Leo Sbaraglia, que ia “pelo cano” no decorrer da série. Fazia sentido sonoramente e conceitualmente.

Mas e o ócio criativo? Nesse caso, o ócio criativo veio no banho, um momento em que eu não estava resolvendo mais nada, sozinho comigo mesmo, cabeça voando. Talvez ainda viesse e venha em mim um pouco daquela sensação de 1993, daqueles banhos ensolarados, daquela luz, daquela inspiração. Fato é que, durante a loucura do dia a dia, precisamos parar um pouco, viver coisinhas pequenas que nos fazem sorrir, trabalhar melhor e sentir prazer. Precisamos abrir espaço para a inspiração.
Ainda hoje, componho muitas melodias no banho e no atual apartamento que moro o sol não bate na janela do banheiro. Mas, por volta das 13h, ele reflete em um prédio espelhado ao lado do meu e invade o banheiro com maestria. Tenho tentado tomar banhos às 13h desde que descobri!

Gustavo Garbato é sócio e diretor musical da LOUD+