Muitas pessoas, mais vividas e sábias que todos nós, sempre nos advertiam sobre a impossibilidade da existência de pessoas 360% perfeitas. Irretocáveis, irrepreensíveis, que, em todos os territórios e dimensões eram, simplesmente, exemplares. Os que nos advertiam estavam, e seguem, mais que certos.
Grandes heróis da paisagem universal do último século tinham um lado B, no mínimo, constrangedor. Muitas vezes condenável. Hoje, certamente um lado B inaceitável e que determinaria os seus SCS – Sucessivos Cancelamentos Sumários. Dentre outros, enquadram-se nessa narrativa ídolos como Charles Chaplin, Walt Disney e muitos mais...
E, pior ainda, retirados os fatos e suas criaturas e criadores do contexto, aí então que o lado B cresce de importância e praticamente elimina o A, supostamente o lado das virtudes e merecimentos.
Dentre os exemplos mais citados e, claro, dependendo de passíveis e eventuais comprovações, as denúncias de que um Thomas Jefferson, terceiro presidente dos EUA, conviveu o tempo todo com duas famílias e jamais assumindo os filhos da segunda relação.
Que, fato mais que comentado, um outro Thomas, o Thomas Edson, teria se “inspirado” nas descobertas de Nikola Tesla para a criação de sua lâmpada. Já sobre a madre, e hoje Santa Tereza de Calcutá, comenta-se de não ser muito hábil na gestão das contribuições infinitas que recebia de todas as partes do mundo. Quase todos conhecem as acusações a Gandhi. Não obstante fosse o grande apóstolo da paz, comenta-se que socava sua mulher, que era racista e mantinha amizade com Adolph Hitler. E por aí seguem as histórias e relatos.
Neste momento, a revisão mais previsível diz respeito ao gênio que, mesmo morto, ainda segue ostentando essa invejável posição, Steve Jobs. No passado já era acusado de ter roubado muitas das ideias de seus produtos do seu parceiro inicial, com quem acabou rompendo, Steve Wosniak. Mas agora, e através de depoimentos, comenta-se sobre suas características de liderança pouco convencionais. De gritar e dizer palavrões a subordinados, de lidar mal com a crise de suicídios na Foxconn, na China, empresa que prestava serviços de mão de obra e montagem para a Apple, e no plano pessoal de ter demorado para reconhecer a paternidade de sua filha, Lisa.
E, num dos episódios mais patéticos de todos os tempos, Jobs acusou Bill Gates e a Microsoft de terem roubado a interface gráfica do Macintosh para a criação do Windows. E, para perplexidade e surpresa de todos, Bill Gates não negou o roubo, mas disse que a vítima, da Microsoft, e também da Apple, foi a Xerox, que foi quem, de verdade, criou o primeiro sistema de interface gráfica, o Parc.
Ou seja, amigos, se a onda de cancelamentos continuar e crescer com o vigor e velocidade presentes, vai acontecer o que a música de Bezerra da Silva Reunião de Bacana já prévia: “Se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão”. Parcela expressiva, ou quase todos os heróis de todos tempos, serão, literalmente, cancelados. Nomes de ruas serão apagados, estátuas jogadas no lixo, e todos os livros de história terão de ser reescritos.
Caso contrário, anistia geral em razão das circunstâncias que levaram a comportamentos inadequados, para que os atiradores de pedra deem uma trégua... Como jamais negou o jornalista e filósofo José Ortega y Gasset: “Eu sou eu mais minhas circunstâncias”. Até melhor e mais justa e sábia decisão.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
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