Aconteceu no ano passado. Em meio à pandemia. Aos fatos. Uma vez institucionalizada a personalidade de uma marca, qualquer tentativa de provar que pau que bate em Chico bate também em Francisca, é, para dizer o mínimo, tolice da grossa. As marcas deveriam conformar-se com o posicionamento adotado, consagrado e que as torna impossíveis de qualquer acomodação ou ajeitamento, sucumbindo ou rendendo-se ao revisionismo que caracteriza os tempos que vivemos.

Poucas marcas foram construídas com tanta qualidade e competência nos últimos 200 anos. E, se fôssemos eleger as 10 mais, a do uísque Johnnie Walker brigaria pelas primeiras posições. Sua narrativa começa com um menino chamado John, que perdeu o pai quando tinha 14 anos. Escócia, 1819. E a partir daí o John, Johnnie Walker, começa a Walk, a caminhar. E nunca mais parou... Vende a fazenda que herdou, compra uma mercearia, e coloca na porta seu nome, e muito rapidamente, em vez de John, era chamado de Johnnie.

Mais adiante compra uma destilaria, um de seus filhos Alexander dá sequência à obra do pai, e à medida que seu uísque vai ganhando qualidade contrata capitães de navios para levar a bebida para todo o mundo. Faz da garrafa quadrada importante diferencial, não só pelo inusitado do design, como foi projetada para diminuir o número de quebras durante as viagens. No ano de 1980, evolui para Striding Man, uma espécie de andarilho apressado, que caminha com passos amplos e firmes, e, mais adiante, 1999, veio o bordão, mais que bordão, a ordem, referindo-se na Nike, no Just do it, e adotando o Keep Walking.

Salvo raríssimas exceções, e irrelevantes, não se tem notícia de qualquer relação da marca com mulheres. Definitivamente, uma marca masculina, mesmo porque, de longe, o grande bebedor de uísque segue sendo o homem. Assim, a Diageo, empresa que nasceu no dia 27 de outubro de 1997, em decorrência da fusão da Guinness e da Gran Metropolitan, que tem em seu enorme portfólio de bebidas dezenas de alternativas que falam mais fundo e merecem a preferência das mulheres, não precisava fazer uma gambiarra, forçar a mão, e tentar dizer que sua mais que masculina bebida, o Johnnie Walker, deveria ser consumida com a mesma emoção e intensidade pelas mulheres. Ou, pergunto, pretende a partir de agora colocar ao lado de seu Striding Man uma Striding Woman...?

O mesmo erro crasso, patético, medíocre, inaceitável, e ao contrário, cometido pela Unilever, que jogou no lixo 50 anos de construção de marca excepcional, quando decidiu de forma medíocre oferecer a melhor marca feminina das últimas décadas, também para homens. A absurda coleção de produtos Dove para homem. Neste momento deste artigo grito socorro, chamando a polícia para trancafiar brandkillers de preferência em masmorras. Mais que fazem por merecer.

Assim, nessa maluquice e descontrole, Johnnie Walker publicou um anúncio nos jornais no ano passado, credibilidade zero, mas com poder de arranhar perigosamente a marca, tentando conseguir a simpatia e a adesão das mulheres. Num texto forçação de barra, onde diz: “um copo meio cheio é feito de duas doses... A feminina e a masculina. Só assim podemos caminhar juntos...”. Vou urrar novamente, Socorro!

É Johnnie e não Joana. Para as Joanas, Marias, Terezinhas, Elisabeths e todas as demais mulheres e em seu portfólio a Diageo tem vodka Smirnoff, gin Tanqueray, licores – Grand Marnier, Baileys –, tem a mais emblemática dentre todas as cervejas, Guinness... E muito mais. Assim, que sempre fortaleça e jamais debilite o posicionamento de seu uísque vencedor, de sua marca espetacular, Johnnie Walker. Diageo, keep walking. Johnnie, faz de conta que você não viu essa tentativa lamentável de acabarem com sua narrativa... De cortarem suas pernas... As duas!

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
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