Na semana retrasada, um experiente repórter fotográfico do Estadão foi escalado para cobrir o jogo Corinthians x Palmeiras na Neo Química Arena. Já no gramado, recebeu a informação do seu editor de que o ministro Alexandre de Moraes iria ao jogo.

Alex Silva preparou sua câmera, fez os ajustes necessários para poder fotografar em sentido contrário à iluminação que vem dos holofotes do estádio, e mirou o ministro do STF.

Eis que Alexandre de Moraes, em dado momento, faz o gesto universal e obsceno com o dedo do meio para alguém que estava nas numeradas e que fez troça com ele.

Vale lembrar que foi na tarde daquele mesmo dia que o ministro foi sancionado pelo governo dos EUA por meio da Lei Magnitsky.

Então eram mais do que óbvias as atenções jornalísticas estarem voltadas à postura dele durante o jogo. Como bom jornalista, não à toa ficou mais de 20 anos no Grupo Estado, o fotógrafo Alex Silva assim também pensou. Intuiu que registrar o ministro era mais importante que o próprio jogo.

Por isso, conseguiu a fotografia do ano! Merecedora de todos os prêmios na categoria fotojornalismo. Pelo menos até esse momento do ano não houve nenhum outro registro jornalístico que tenha superado em simbolismo o dedo do meio oferecido pelo ministro.

Detalhe interessante desse episódio é que o gesto foi feito para torcedores do mesmo time do coração do ministro. Como se sabe, os jogos na capital paulista são de torcida única. Naquele jogo o mando de campo era do Corinthians, portanto, só com a presença de alvinegros como o ministro.

Nem isso impediu o ministro da mais alta Corte do país de se conter perante uma brincadeira qualquer que lhe gritaram das cadeiras numeradas.

A foto correu o mundo pelas redes sociais, que por enquanto continuam livres em nosso país. E mesmo assim não se viu do ministro nenhum pedido de retratação, nenhuma autocrítica, nada de repensar que deveria ter se contido, que esse gesto não cai nada bem para um adulto, muito menos para um magistrado.

É deste mesmo ministro a fala durante uma sessão no STF de que quem entra para a vida pública deve suportar o fardo das críticas. Disse o ministro que a pessoa que não quer críticas deveria ficar em casa e não entrar para a vida pública.

Como leitor assíduo do Estadão, jornal que me acompanha desde adolescente quando pegava o caderno de Esportes no café da manhã na casa dos meus pais para ler sobre o meu Palmeiras, fiquei sinceramente decepcionado com a atitude da sua direção de dispensar o fotógrafo.

Se foi demitido pela foto emblemática que só ele conseguiu captar dentre praticamente 70 fotógrafos que se cadastraram para aquela partida de futebol, o erro do Estadão é gravíssimo e compromete entre seus leitores mais atentos a sua independência jornalística que sempre o pautou nesses 150 anos de história.

Se a demissão já estava prevista para enxugar os custos do departamento de fotografia, conforme diz a nota que o jornal soltou no dia seguinte, o Estadão também errou.

Contenção de despesas sugere que não há profissional específico para sair. Já que o propósito é cortar gastos, qualquer um serviria.

Mas demitiram logo aquele que deveria ter sido cumprimentado?! Que fez a foto do ano?!?

É assim que os atuais dirigentes do Estadão premiam um golaço do seu fotógrafo? Com a demissão dele?

Pensei seriamente em cancelar minha assinatura. Não farei isso. Acredito que o Estadão é maior que a pessoa que deu a ordem de demissão do fotógrafo Alex Silva. Como se diz por aí: as pessoas passam, as instituições ficam.

Que esse dirigente do Estadão passe logo.

Tiago Ferrentini é diretor-executivo da Editora Referência que edita o propmark.