Uma máxima ou uma lição de um livro escrito no século quarto antes de Cristo, ilustra os últimos movimentos do universo da tecnologia frente a invasão das ferramentas de inteligência artificial (IA), principalmente o ChatGPT: “O recuo estratégico é uma manobra que precede a vitória”, escreveu Sun Tzu no livro A Arte da Guerra.
Estamos assistindo com um misto de preocupação e alívio as últimas notícias sobre o recuo de grandes líderes no que tange a inteligência artificial, mais preocupação, na verdade. Fica cada vez mais claro que refrear ferramentas tão potentes e que certamente vão mudar tudo à nossa volta é uma luta de poder, de poderes, de espaço mercadológico. Essa “guerra”, cujo centro nevrálgico atual é o ChatGPT, mas não se limita a essa ferramenta, é capitaneada por aqueles que se sentiram atrasados no processo, usando como arma a narrativa de preocupação com a humanidade.
Um breve preâmbulo é necessário para lembrar e contextualizar esse “front” que se tornou uma zona de conflito de interesses, como em uma guerra, para continuar inspirado em Sun Tzu. Ainda em 2018, Elon Musk, que dispensa apresentações, saiu da sociedade da OpenIA, criadora do ChatGPT, por desacordo com os demais fundadores, mas alegando conflitos de interesse com Tesla, sua menina dos olhos. Entre imbróglios financeiros (custa muito caro desenvolver IA) e para encurtar a história, outro fundador da OpenIA, Sam Altman, criou uma entidade com fins lucrativos para arrecadar recursos e continuar suas pesquisas em IA.
A estratégia de Altman atraiu, seis meses depois, a Microsoft com aporte de US$ 1 bilhão, além de conhecimento e infraestrutura. A partir daí, construíram um supercomputador para treinar modelos massivos, como o ChatGPT e o gerador de imagens DALL-E, até chegarmos ao ponto inicial dessa nossa conversa.
Então, o poder, quem saiu na frente, quem ganha mais, quem é melhor, quem toma o mercado de quem, quem lidera a invasão artificialmente inteligente são os verdadeiros componentes dessa guerra que se apresenta, mesmo que estrategicamente colocada sob argumentos de preocupações como a coleta ilegal de dados (que gerou bloqueio na Itália, por exemplo) ou, na última ponta, com os impactos e consequências para a humanidade. Mas a quem interessa a moratória de seis meses nos modelos de IA generativos?
Guardadas as devidas diferenças e proporções, essa “guerra” lembra a briga entre taxistas e o Uber, ou seja, é impossível parar a evolução tecnológica e a transformação digital. Então, os pedidos de tempo nesse jogo interessam a quem consegue, durante essa pausa, realinhar o exército e continuar competitivo, basta olhar a lista de assinaturas nos manifestos e cartas abertas. Seriam Elon Musk, Harari e outros líderes os taxistas da vez?
A nós cabe observar com muita atenção e desconfiança, acompanhando, tanto quanto possível, os desdobramentos desse pedido de trégua e entender que tem sempre alguém querendo ganhar dinheiro, sim, mas principalmente poder. E, neste caso da inteligência artificial, usar nossa inteligência real para entender que trata-se de uma guerra sem precedentes, pois coloca em cheque o modus operandi da humanidade, se é que essa expressão pode significar tudo que estamos assistindo.
Diante desse cenário, fico pensando no que diria Sun Tzu sobre a guerra digital. Não saberemos, claro, mas é incrível como podemos usar seus pensamentos para refletir, principalmente quando ele vaticina que “toda a arte da guerra é baseada no engano". Sun Tzu também nos enche de esperança quando diz que "o verdadeiro objetivo da guerra é a paz". Ufa, que assim seja!
Ruy Dantas é presidente do Sin Group