Mais do que empreendedor e redator brilhante, Roberto Duailibi foi um amigo. Desses para se guardar “debaixo de sete chaves, dentro do coração”, como diz a música eternizada por Milton Nascimento. A sua presença desde muito jovem iluminou os negócios da propaganda brasileira. Batuta em punho, ele regeu com maestria os rumos de uma das mais lendárias agências ao lado de Jose Zaragoza e Francesc Petit. Sábio, o trio colocava a criatividade em comunhão com os negócios. E entregava sempre mais do que o cliente esperava.
Fundada em 1968, a DPZ perde o seu D. Duailibi foi ao encontro do P, de Francesc Petit, morto em 2013. E do Z, de Jose Zaragoza, que nos deixou em 2017. Aos 89 anos, não resistiu a uma cirurgia para a colocação de um stent no coração. Em 18 de julho, chegou a ir para casa, mas faleceu no mesmo dia. Ficam as lembranças de um homem que foi empresário, professor, dirigente da propaganda e, sobretudo, um exemplo de retidão e amor ao ofício de se fazer publicidade.
Da família, herdou a paixão pela cultura. Duailibi era filho de pai libanês e mãe brasileira. Nasceu no dia 8 de outubro de 1935, na cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Formado pela Escola de Propaganda de São Paulo, iniciou carreira na década de 1950 na Colgate-Palmolive e foi redator na então J. Walter Thompson e McCann-Erickson. Trabalhou também na Standard Propaganda, comprada pela Ogilvy & Mather nos anos de 1970.
Nas salas de aula, inspirou e formou novas gerações. Ele foi professor de criação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a USP. E defendeu a evolução do setor durante as três gestões em que presidiu a Abap – Espaço de Articulação Coletiva do Ecossistema Publicitário. “A propaganda é um negócio de risco e não é fácil se manter na ativa durante tanto tempo, tendo a mesma composição societária”, disse Duailibi à reportagem do propmark, em julho de 2013, quando a DPZ comemorou 45 anos.
Fonte inesgotável, a criatividade permite se reinventar todos os dias. Disso ele tinha certeza. E foi assim que a DPZ deu vida a campanhas e personagens memoráveis. Tem o Leão do Imposto de Renda, o franguinho da Sadia, o garoto-propaganda da Bombril, o baixinho da Kaiser e o Alfredo de Neve. E ainda o ‘Menino sorrindo’, da Seagrams, ‘Mamãe Fotoptica’ e ‘Toc Toc’, da Duratex. ‘Morte do Orelhão’, da Telesp, e o ‘Garoto de olhos vendados’, para o presunto Sadia, são outros trabalhos emblemáticos. Foi o tempo da virada criativa da propaganda nacional, nos idos da década de 1970, temperada à irreverência e ousadia, que ajudaram a espalhar o talento brasileiro mundo afora. Foi quando o Brasil passou a ser competitivo nos grandes festivais.
Da veia literária, extraiu obras como ‘Criatividade & Marketing’ e ‘Cartas a um Jovem Publicitário’, lançado em 2005. Ocupava a cadeira de número 21 da Academia Paulista de Letras. “Privilégio ter sido alfabetizado na arte da criação pelas três letras mais charmosas da história da propaganda. Obrigado ao D, ao P e ao Z”, escreveu Marcello Serpa no Instagram. Para Erh Ray, CEO e CCO da BETC Havas, Duailibi foi um “mestre generoso, um gênio da palavra, um cavalheiro da propaganda”. “Aqui onde estou está chuvoso e chove em mim também”, lamentou Nizan Guanaes.
Em 2011, a agência vendeu 70% de suas ações para o Publicis Groupe. Quatro anos depois, a DPZ ganhou em seu nome a letra T, passando a se chamar DPZ&T, devido à fusão com a agência Taterka, de Dorian Taterka. Mas em 2022, abandonou o “T”. Nome de batismo restabelecido, hoje quem carrega o legado desse símbolo da publicidade nacional é Benjamin Yung, presidente da agência.
Uma semana antes de partir, Duailibi celebrou no Instagram o lançamento de seu novo livro, ‘Ibrahim Nobre – A voz poderosa’, homenagem ao jurista e orador da Revolução de 1932. Dos versos imortais da ‘Canção da América’, fica a saudade, a lembrança, o respeito. “Seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar, qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.”
Frase
“Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite” (Clarice Lispector).
Armando Ferrenti é publisher do propmark