Antigamente, as filmadoras eram trambolhos reservados para profissionais do cinema e da televisão e utilizadas para gravar filmes, peças publicitárias e programas de TV. A partir dos anos 1980, com o avanço da tecnologia e do barateamento dos equipamentos, as pessoas começaram a ter acesso a câmeras portáteis, fáceis de manusear, e as criações de vídeos por “não profissionais” começaram a ganhar vida nos lares de todo o mundo, especialmente no Ocidente.

Nos anos 2000 chegaram as câmeras digitais. Filmar ganhou outra dimensão e milhões de jovens por todo o mundo começam a ter acesso à tecnologia. - a aprender esse ofício. Resultado: o que era apenas o registro pontual de um momento ou de algo marcante, passou a ser o início de uma troca de experiências - uma pessoa com outras milhares por meio das redes sociais. E com a evolução do celular para smartphone, esse fenômeno foi amplificado naquilo que já propagava o cineasta baiano Glauber Rocha com sua frase “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Os limites para mostrar realidades e mazelas e ao mesmo tempo impactar pessoas já não mais existiam e estavam agora nas mãos de muitos. Os Creators (ou criadores).

Claro que eu resumi um pouco a história, mas o fato é que saímos do VHS e das filmagens de festas de aniversário e casamentos, para criação de conteúdos profissionais e ideológicos. Desde um podcast de informação até os mais criativos vídeos de entretenimento e de como fazer (de tudo um pouco) que encontramos no Tik Tok ou no Kwai - o simples ato de pegar uma câmera e filmar se transformou em um negócio na era da informação. E que baita negócio.

Levantamento da Oxford Economics mostra que o YouTube Brasil gerou R$ 6 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2021, quase o dobro de 2020. Isso resultou em mais de 160 mil empregos gerados no país, segundo o estudo. O YouTube é uma das principais plataformas de vídeos do mundo e, no Brasil, é o que mais gera receita aos criadores de conteúdo, tanto dentro da plataforma como fora dela.

Para estratégias ligadas ao Adsense (anúncios), essa é ainda a rede que trabalha de forma mais organizada e clara. As premissas são objetivas - abrem-se as janelas de anúncios nos vídeos por inventário disponível, o que leva os interessados em divulgar produtos e marcas objetivando a informação para o público que consome aquele canal.

Além do YouTube, Facebook, Instagram, Tik Tok, Kwai, enfim, uma série de empresas movimentam milhões com conteúdos de terceiros em suas plataformas. Seja para entretenimento ou informação, o Creator – ou influenciador é um importante ativo das plataformas.

Entretanto, mesmo com o mercado da economia criativa aquecido, há dois desafios que têm impactado o setor. Um deles é a forma e a metodologia de cálculo da receita paga pelas plataformas de streaming aos criadores. Na Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, está havendo uma fuga destes profissionais para outras plataformas justamente porque a empresa prioriza conteúdo pago no Facebook e, recentemente, reduziu o alcance e engajamento no Instagram, além de focar o modelo de negócio para o Reels, tentando se aproximar dos seus pares chineses. Há também uma discussão no mercado sobre até onde uma marca consegue atingir público apenas com a referência de um creator. Sabemos que a dica de um produto ou mesmo algum tipo de uso em estratégias de merchandising, se valendo da credibilidade de quem está à frente pode funcionar super bem. Mas existe um limite para o uso desta estratégia e muitos creators vêm pesando na mão. O resultado a longo prazo é a perda de credibilidade, inscritos, e possivelmente um sentimento de que nem tudo são luzes e glamour. Possivelmente inscritos podem cair ou, no mínimo, as taxas de watchtime - aquele tempo que você se dedica a assistir um vídeo nos canais.

O outro problema é a qualidade e os formatos que vêm sendo trabalhados pelos criadores/influenciadores. Com o fenômeno do Tik Tok e do Kwai, os vídeos curtos ganharam uma importância sem igual para as plataformas, fazendo com que todo o mercado desse mais atenção para esse formato. Hoje temos uma explosão de vídeos curtos, muitos com formato duvidoso de produção e conteúdo, enquanto há uma infinidade de possibilidades a serem exploradas e uma massa de creators bastante perdida sobre a forma e o conteúdo a ser criado. Isso gera um incômodo para quem produz e quem consome, e os primeiros casos de burnout e depressão estão se configurando. Falar com qualidade para sua tribo e ainda ganhar dinheiro com isso não é tarefa fácil.

Ainda com todos os desafios apresentados, estamos construindo um mercado que já contribui com R$ 217 bilhões para o PIB brasileiro (2,9% do PIB em 2020 - Firjan), além de gerar mais de 900 mil vagas de emprego. , especialmente no setor de tecnologia.

Existe ainda muito espaço para crescer, absorver aprendizados, trabalhar melhor o relacionamento com as marcas, explorar novos formatos de conteúdo, enquanto as plataformas melhoram seus algoritmos, forma de remuneração e trabalham estratégias para atrair cada vez mais novos usuários, fazendo a roda girar. A discussão é super necessária para melhorarmos essa cadeia de consumo e darmos ainda mais voz e vez aos nossos creators que passam por uma natural depuração.

Leo Soltz é CEO da One Big Media Group