Meu primeiro emprego em comunicação foi na área de PR e já no primeiro dia percebi que a mulherada dominava esse mercado. Era superjovem e engajada com a causa feminista e fiquei maravilhada com a possibilidade de trabalhar com líderes mulheres e aprender com elas. Mas, aí, começaram as reuniões com clientes e comecei a me decepcionar, pois, conforme a hierarquia ia subindo, as mulheres iam sumindo.

Isso se intensificou quando abri minha agência, em 2007, com foco em marketing de conteúdo. Cargos de coordenação e gerência do marketing de grandes empresas quase sempre são ocupados por mulheres, mas diretores e VPs são majoritariamente homens. Quando chega na categoria de C-levels, aí é como procurar uma agulha no palheiro. Nas agências de publicidade, o cenário é muito parecido: na maioria das cadeiras de direção de criação, quem senta são os homens. E dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 37% dos cargos de liderança em empresas de todos os segmentos no Brasil são ocupados por mulheres, que recebem, em média, 22% a menos do que seus colegas homens.

Será que as mulheres, que têm um papel fundamental na criação da vida, foram limitadas a serem vistas apenas como responsáveis pela criação dos filhos, sendo excluídas de posições de liderança em campos criativos? Eu, como mulher criativa, senti na pele muitas vezes o peso do gênero. O caso mais emblemático para mim se deu quando eu fui convidada para uma vaga de professora na pós-graduação em uma universidade da capital paulista. Na entrevista, ao apresentar cases da minha agência, fui confrontada com a pergunta: “seus projetos são surpreendentes, não esperava algo tão robusto, já que você é uma mulher tão jovem. Quem está por trás disso? Seu pai ou seu marido trabalham com você?”. Eu devia ter passado um sabão naquele senhor misógino, mas fiquei tão chocada que me faltaram palavras. Acabei declinando a vaga, é claro.

Tudo isso foi me causando um desconforto que não cabia mais em reclamações acaloradas com as amigas na mesa de bar. Eu precisava fazer algo que transformasse pelo menos o mundo ao meu redor. O que já era natural, pois desde o princípio tivemos mais mulheres no time, virou um direcionamento: as mulheres sempre serão prioridade nas contratações. Depois, isso evoluiu para algo maior: a diretoria passou a ser ocupada 100% por mulheres. A iniciativa seguinte foi mais simbólica: mudar o nome da agência, que era “Absoluto”, adjetivo masculino, ou seja, uma disforia de gênero, já que eu, a fundadora da agência, sou mulher e nossas líderes também.

Precisávamos de uma palavra feminina para renomear nosso negócio e fui buscar na minha caixa de memórias mulheres anônimas, mas que foram importantes na minha trajetória, e aí foi resgatada a figura da minha professora da 1ª série do ensino fundamental, a “tia Abigail”. Ela era uma mulher visionária, que incentivava seus alunos a serem os autores de suas histórias, em uma época que a educação estava longe do construtivismo e era completamente conteudista. Abigail era entusiasta da literatura brasileira, das artes e da poesia e provocava a experimentação e o senso crítico. Foi ela que acendeu em mim a primeira chama da escrita criativa e, observando minha paixão pelas palavras, me presenteou com um dicionário de sinônimos, que guardo até hoje. De repente, um clique: eu a chamava carinhosamente de Abby... E não é que o apelido ainda parece uma contração da palavra Absoluto? Eureca!

Nome alterado, mulheres liderando, será que encontramos nosso éden corporativo? Implementar políticas empresariais que impulsionam a equidade de gênero é fundamental, mas não resolve todos os problemas! Um papo rápido com executivas das mais diversas áreas mostra que boa parte delas viveu episódios de insegurança em que sentia uma fraude a ser desmascarada a qualquer momento. A síndrome da impostora é um dos maiores algozes das mulheres que empreendem e lideram. Um estudo da KPMG revela que muitas executivas já enfrentaram a síndrome da impostora, afetando a confiança de 75% delas no mercado de trabalho.

Para preparar nossas mulheres para liderar, investimos em programas de capacitação para que elas se sintam seguras e com ferramentas para atuar no dia a dia com seus times e clientes, em que as interações muitas vezes são com homens. Além disso, adotamos o trabalho híbrido e passamos a estar na agência presencialmente apenas 5 vezes por mês, iniciativa que tem papel importante para a parentalidade, além de aumentarmos a licença maternidade para 6 meses. Também incentivamos os homens que têm filhos a exercerem sua paternidade de forma ativa, flexibilizando as rotinas sempre que necessário. É fundamental que os homens dividam as tarefas com suas companheiras, para que a equidade de gênero se torne uma realidade.

Para espalhar a palavra, lançamos em 2023 o programa ‘No sofá da Abby’, que convida mulheres líderes de grandes empresas para falar de comunicação, liderança e os desafios de serem mulheres e mães em seus mercados. São pequenas atitudes, mas que no nosso microcosmos têm feito a diferença! Um estudo conduzido pela Credit Suisse afirma que existem evidências claras de que quanto maior a proporção de mulheres em cargos de liderança, maior o retorno gerado para as acionistas. De fato, empresas nas quais mulheres são a maioria no time executivo apresentam maior crescimento em vendas, o dobro de retorno sobre investimentos e menor endividamento. Companhias que apostam na igualdade de gênero e têm mulheres em cargos de liderança atraem e retêm talentos com mais facilidade. Na Abby, temos uma retenção de colaboradores que é acima da média do nosso mercado, em torno de 5 anos, e os clientes em média 6 anos.

Quando o assunto é liderança feminina, é hora de contestar as estruturas e implementar atitudes práticas, seja na criação das nossas meninas, na forma de liderar colaboradoras - inclusive as domésticas, já pensou em como impulsionar essas mulheres? -, ou em iniciativas que envolvam políticas de equidade de gênero nas empresas. Você está fazendo a sua parte?

Lívia Pretti é CEO e fundadora da Abby