“Minhas melhores ideias surgem quando estou relaxado dentro de uma banheira, com água quente até o pescoço” — com essas palavras, Stalimir Vieira condenava seu auditório em Havana a não ter mais nenhuma boa ideia.
Eu tive de explicar ao Stalimir que Fidel Castro decretara que em todas as casas de Cuba as piscinas deveriam ser aterradas, pois piscinas eram um símbolo da burguesia. Não apenas as piscinas; banheiras deveriam também ser retiradas. No caso do Hotel Nacional, como não dava para reformar o hotel inteiro, as banheiras não poderiam ter tampas.
Recordei esse episódio para o Stalimir, recentemente, quando ele foi almoçar em minha casa. Ficamos conversando por uma tarde inteira, para grande prazer meu. Ele havia se transformado numa espécie de ídolo dos poucos publicitários cubanos, que acorriam às suas palestras para se deliciar com seus ensinamentos e os filmes brasileiros que ele projetava.
Na ocasião, Cuba tinha 14 “agências”, uma para cada ministério; elas só produziam material interno e não tinham acesso ao jornal Gramma e nem a rádio e televisão estatais — o que era o sonho de todo publicitário cubano. Podiam eventualmente produzir material para cinema, mas não tinham a menor noção do que seja um comercial de 30 segundos. Eu já havia ido três vezes a Cuba. A primeira, acompanhando a diretoria da Souza Cruz, que fora à ilha para comprar a fábrica de cigarros, desapropriada pela BAT, British American Tobbaco.
O governo cubano resolveu vender a fábrica para a companhia inglesa, mas, devido às restrições impostas pelo governo americano, que proibiam entrar nos Estados Unidos executivos de empresas que faziam negócios com Cuba, os ingleses propuseram então que a fábrica fosse oferecida para a Souza Cruz, já que os executivos brasileiros aceitaram não poder mais entrar nos Estados Unidos. E os americanos advertiram a Souza Cruz: eles estavam comprando uma indústria desapropriada pelo governo cubano, que seria devolvida para seus donos legítimos assim que o regime da ilha caísse.
Talvez eles não soubessem que a Souza Cruz era também BAT. Em todo caso, fui convidado a acompanhar a diretoria da Souza Cruz, convite que aceitei na hora. Tive a intuição de levar um rolo de comerciais brasileiros de campanhas sociais.
Na época não existiam computadores, internet, muito menos YouTube, e os comerciais eram levados em rolos de celuloide de 36 mm. Por incrível que pareça, a DPZ era conhecida em Cuba e eu fui convidado a fazer uma palestra para os publicitários cubanos. O rolo me salvou. Para muitos deles, foi a primeira vez que viram comerciais de 30 segundos e de um minuto.
Num país em que só o governo emite passagens para quem precise voar, uma moça que estava na palestra inquiriu-me espantada: “El comercial de American Airlines oferece tickets al público em general?” Um dos comerciais mostrava uma criança dormindo numa calçada. À medida que a câmera se afastava, via-se que a calçada era da praça que fica em frente ao Palácio do Planalto, e exatamente na hora da troca da guarda palaciana. Um dos espectadores me perguntou: “Qué dijo Fernando Henrique?”
Mas o que eu gostaria de contar é como o Stalimir se tornou um ídolo em Cuba. Os publicitários cubanos gostavam tanto de minhas palestras que imaginaram convidar mais brasileiros para fazê-las. Perguntaram-me quem deveriam convidar. Citei três ou quatro nomes, mas quando disse a palavra “Stalimir” foi como uma iluminação para eles.
Eu havia esquecido que o pai do Stalimir era o presidente do Partido Comunista no Rio Grande do Sul, e o nome de seu filho era uma homenagem ao líder russo. De fato, as palestras do Stalimir são bem-preparadas e, onde quer que ele as faça, são um grande sucesso. Mas ele não sabia que Cuba não tem piscinas nas casas, todas desapropriadas pelo governo, e muito menos banheiras.
Até hoje os cubanos sonham ter ideias (que também são proibidas) entrando até o pescoço na água quente de uma Jacuzzi. Foram muitos episódios desse período. Mas acho melhor deixar para outras edições.
Roberto Duailibi é escritor, publicitário e um dos fundadores da DPZ