Garimpando papelada antiga, encontrei um memorando, em que se utilizando de linguagem elegante e generosa, Alberico Cilento, então diretor de atendimento da DPZ, descrevia para o Petit e para o Washington, a minha performance em apresentação de campanha ao banco Itaú.
A data era 18 de agosto de 1981, 44 anos atrás. Eu, ainda, um recém-chegado de Porto Alegre, vivendo o privilégio de trabalhar na agência mais criativa do país. Aquela tinha sido a minha primeira reunião com um cliente.
Foi a única vez, em 50 anos de carreira, que testemunhei uma iniciativa com tamanha dimensão de bom-caratismo. Claro que outras pessoas em outras ocasiões foram parceiras e muito contribuíram com o meu crescimento profissional.
Mas a atitude do Alberico tem características bem particulares, quando colocamos sob o prisma dos ambientes das agências de publicidade. Sabemos do clima de competição e vaidade com que se convive no cotidiano do trabalho.
Se isso ocorria e ocorre entre colegas com as mesmas funções, há um grande potencial de agravamento quando se trata de gente com papéis diferentes, em situações em que esses papéis se superpõem.
Para dar uma ideia do quanto um estado de conflito era presente, lembro de ocasião em que o Petit se aproximou da minha mesa e falou praticamente ao meu ouvido: “tá ficando muito amiguinho do atendimento”. Era verdade. Talvez, por ser recém-chegado, eu buscava cultivar boas relações. Mas o fato é que não tinha captado que ser atendimento na DPZ era ser desafiado permanentemente a criar as melhores condições para que a criação tivesse tempo de fazer alguma coisa que superasse as expectativas dos clientes, de preferência gerando uma primeira resistência pela ousadia da proposta.
Uma situação, portanto, naturalmente tensa para quem precisava se mostrar sempre preparado para receber e vender o novo, o inesperado, o original.
E, claro, para aguentar as vaias (e o desprestígio) quando não vendia. Voltando à reunião de 18 de agosto de 1981, ali foi aprovada uma grande verba, dinheiro não previsto no orçamento do cliente para aquele ano.
Ou seja, uma oportunidade de ouro para qualquer profissional de atendimento faturar para si toda a glória do evento, principalmente se quem esteve junto na reunião, era um jovem redator desconhecido.
Mas o que fez o Alberico? Documentou detalhadamente o meu desempenho vitorioso, assinou embaixo e divulgou ao meu chefe e ao nosso patrão, sequer insinuando dividir qualquer mérito.
Esse memorando ficou guardado por mais de quatro décadas e, talvez, por imaturidade (e deslumbramento), eu nunca tenha compreendido o excepcional significado do gesto.
Por isso, fiz questão de torná-lo público (está na minha página do Facebook, para quem quiser ler e apreciar a delicadeza, a sensibilidade e a segurança do texto).
Gostaria muito que servisse de exemplo e estimulasse entre nossos colegas, uma vontade de grandeza ética, que superasse a insegurança e a mesquinhez, que costumam nos apequenar. Proponho até um neologismo: albericar. Isto é, reconhecer e promover o mérito do outro. Aliás, que tal dar uma albericada já hoje?
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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