Traduzir uma marca icônica em um determinado idioma pode ser um grande desafio: muitas vezes, a tradução fonética pode colocar as empresas em armadilhas

Em um mundo onde tudo está conectado, uma marca local pode se tornar global a qualquer momento. Mas essa aparente facilidade pode esconder uma armadilha: como essa marca vai ser avaliada e moldada por novos mercados e culturas?

Em 1928, a Coca-Cola chegou no território chinês. E, claro, era necessária a tradução dos caracteres latinos para os ideogramas chineses. Foi usada a metodologia comum de marcas estrangeiras que chegam ao mercado asiático, a tradução fonética, que busca similaridade do som original, o que possivelmente gera novos significados. O problema é que, neste caso, essa opção poderia ser entendida como "égua recheada de cera" – pena que, naquela época, não existia a fábrica popular de memes, porque está aí um prato cheio.

Depois das vendas decepcionantes, redatores, linguistas e poetas fizeram dezenas de outras combinações para chegar em algo um pouco mais apropriado, que culminou com o que poderia ser traduzido como  "alegria na boca".

Nenhuma novidade sob o sol: letras ou ideogramas são sinais gráficos que representam fonemas ou informações semânticas. Cada cultura cria significados diferentes, baseados em sua memória coletiva, afetos, migrações e história. Não à toa, existem diferentes alfabetos, diferentes palavras, diferentes organizações da realidade. Marcas que desejam expandir sua área de atuação também precisam expandir seu repertório e duplicar a atenção para criar campanhas que se ocupem da grandeza do detalhe. Como diria o autor inglês Henry James (1843-1916), só existe uma receita: ter o maior cuidado na hora de cozinhar.

Vamos de outro exemplo que acho virtuoso. O desenvolvimento econômico do mundo árabe atrai muitos investidores e nos força a pensar em como situar marcas em contextos muito diferentes de onde foram criadas. Para o Brasil, a região já constitui o terceiro maior mercado no exterior, perdendo só para China e Estados Unidos. Nossa corrente de comércio chegou, em 2021, a mais de US$ 24 bilhões, um recorde na série histórica.

O árabe tem uma origem distinta do alfabeto latino: as letras são baseadas na caligrafia e não construídas como as maiúsculas romanas. O que pode ser um verdadeiro desafio para a localização de logomarcas e assinaturas, por exemplo. Mas, com pesquisa, marcas podem se adaptar a essa realidade linguística, sem perder sua identidade e criar um vínculo mais familiar com as pessoas.

Falar a mesma língua do consumidor é importante, mesmo que ele fale grego. Ou árabe. Esse processo não se encerra aí. Podemos expandir a reflexão não apenas para territórios internacionais, mas para toda e qualquer alteridade que ainda nos seja desconhecida. Quer falar com gamers (hoje em dia, todo mundo quer)? Aprenda os códigos, os valores, jogue LOL, baixe o Discord, faça seu trabalho de campo, pegue aquele estrategista que você levaria até para o seu casamento. E, melhor ainda: busque criativos e colaboradores que sejam deste universo. Parece óbvio, mas o que mais tem por aí é gente criando éguas recheadas de cera.

Precisamos escutar as pessoas e diminuir a distância entre CPFs e CNPJs (principalmente os CNPJs bem robustos). Uma simples adaptação de fontes e atenção para traduções não é só uma demanda importante em um mundo multilíngue que reflete, mais do que nunca, sobre decolonidade e ascensão de novos eixos culturais, mas um recado de observância. Vamos precisar olhar mais não só para o que nos une, mas para o que nos separa.

Matias Marcossi é copywriter da Media.Monks e ex-pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP)